domingo, 22 de novembro de 2009

Sexualidade e diferença funcional

Sexualidade é um dos aspectos mais instigantes da experiência humana. E, claro, não poderia ser diferente em se tratando de nós, pessoas com diferença funcional. Nossa sexualidade esta cercada de curiosidades e intriga a todos.

Exatamente como acontece com a população em geral, há entre nós pessoas realizadas e pessoas frustradas, pessoas felizes e pessoas infelizes no plano afetivo-sexual. De fato, uma diferença funcional não deve ser tomada como um obstáculo para o amor. Se olharmos com atenção, os obstáculos são produzidos pelo preconceito, pela desinformação, medo e insegurança.

Com raras exceções, as pessoas com diferença funcional sabem que se estamos vivos, há, sim, energia sexual em nosso corpo e em nossa vida. Sabem, mas muitas vezes esse saber é silencioso, solitário, ignorado ou reprimido.

É importante lembrar que o medo e as dúvidas que paralisam a vida sexual e amorosa fazem parte da mesma estrutura psicológica que impede uma pessoa de acreditar em si mesma. A título de comparação, muitas pessoas com diferença funcional não se acham capazes de estudar, trabalhar e viver a vida. E é muito confortável acreditar que as coisas não acontecem apenas por causa da discriminação e da exclusão social. As barreiras sociais realmente estão aí escancaradas! Mas, me preocupam muito mais aquelas barreiras que construímos dentro de nós.

Eu sei que o preconceito e as barreiras sociais também afetam, e muito, a vida sexual e os relacionamentos amorosos. Mas, além e acima disso está a percepção que temos do nosso corpo, da nossa sexualidade e do nosso desejo de construir uma relação amorosa. Já ouvi diversas vezes afirmações do tipo “ninguém vai gostar de mim desse jeito”. E com base nessa crença, a pessoa se fecha tornando-se incapaz até mesmo de perceber quando é paquerada ou olhada com desejo.

A sexualidade humana tem sido massacrada por uma cultura que restringe a vida sexual a um padrão meramente estético e genital. Se dependesse apenas desses dois fatores, as relações amorosas seriam vazias de realização, de cumplicidade, de companheirismo e, especialmente, de afeto. Se você está vivo, independente de qualquer aspecto físico ou funcional, sua energia sexual está aí pulsando no seu corpo e você é, sim, capaz de dar e receber afeto, você é capaz de amar e ser amado(a), inclusive no aspecto estritamente sexual!

Tenho observado em meu trabalho que as dificuldades na vida sexual e nos relacionamentos amorosos dependem de vários fatores. Há casos em que a ajuda médica e psicológica é fundamental para se contornar as questões próprias do organismo. Esta é a parte mais simples, uma vez que a medicina dispõe de recursos eficazes para nos ajudar, quando necessário. De fato, os maiores obstáculos não estão no nosso corpo e muito menos na forma como ele funciona. Os obstáculos mais difíceis estão na nossa cabeça e à nossa volta.

Nossa cabeça cria medos incríveis. Medo da rejeição, medo de correr riscos, medo de sofrer, Medo de errar e até mesmo medo de acertar... Enquanto acalentamos nossos medos, a vida passa e a fila anda.

Há pessoas com diferença funcional que nem cogitam namorar e ter uma vida sexual de qualidade. Surgem aqui duas situações distintas, mas igualmente paralisantes: De um lado, temos os medos e as inseguranças pessoais; do outro, temos as atitudes familiares que infantilizam e superprotegem a pessoa com diferença funcional.

Certa vez uma mãe afirmou para mim que nenhuma mulher no mundo faria pelo filho cadeirante o que ela faz. Eu repliquei dizendo que uma namorada, uma mulher também faria coisas com ele que uma mãe jamais faria. Convenhamos: Mãe é mãe. Mulher é mulher. É óbvio que a regra vale para qualquer pessoa com diferença funcional, seja homem, seja mulher.

A dedicação e o cuidado oferecidos a uma pessoa com diferença funcional suprem necessidades higiênicas, ajuda na mobilidade e atividades da vida diária, etc. Embora as mães estejam na linha de frente dessas tarefas, qualquer pessoa devidamente preparada pode fazer esse trabalho. Mas isso não é tudo na vida de uma pessoa com diferença funcional!

Nós precisamos de realização pessoal e nossa vida precisa ter sentido! A necessidade de realização e sentido pode ser suprida de várias formas. Mas, eu quero destacar especialmente a realização amorosa. Esta realização implica dar e receber afeto, amar e ser amado(a) no sentido erótico do termo.

Se você possui uma diferença funcional e deseja realizar-se no plano afetivo-sexual, vá à luta! Mas faça isso com bom senso e responsabilidade. Se você convive com alguém que possui uma diferença funcional, tente (mas tente mesmo!) respeitar esse desejo...


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Palavras-chave: diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; sexualidade e deficiência; psicoterapia; relações familiares e deficiência; Ray Pereira.

sábado, 21 de novembro de 2009

Orientação aos Pais - parte II


Legendas do vídeo “Orientação aos Pais - parte II”
http://www.youtube.com/watch?v=IzXfPFXjy-I


O nascimento de uma criança é algo realmente marcante na vida dos pais. É um momento de alegria, especialmente se a criança nasce com saúde e “perfeita”. Quando essa expectativa NÃO se concretiza, a alegria se transforma em angústia, medo... Algumas vezes a alegria se transforma em tristeza, frustração e culpa.

A chegada de uma criança com diferença funcional quebra todas as expectativas dos pais. E num tempo muito curto é preciso se acostumar com a idéia e seguir em frente. Os pais olham para a criança e a preocupação com a vida e o futuro é imediata, pois o mundo lá fora não é nada confortável para as pessoas com diferença funcional.

Quando penso nas crianças, minha preocupação inicial não é com o mundo lá fora. Me preocupa muito mais o que a criança encontra dentro da própria casa, junto à família, junto aos pais. Nesse contexto, o que há de mais inadequado e danoso para uma criança com diferença funcional são as comparações. Isto vale para todos os pais, mas vale especialmente para pais de crianças com diferença funcional.

Quando você, pai ou mãe, compara uma criança com a outra, você está dizendo qual delas é a preferida, qual delas você gosta mais. É assim que a criança percebe! Esta atitude é péssima para a autoestima de qualquer criança. Em se tratando de uma criança com diferença funcional, é ainda pior.

Ao invés de comparar, elogie a criança pelo que ela é capaz de fazer. Valorize o que ela faz, da forma que ela faz. A criança certamente responderá fazendo ainda melhor.

Aceitar e respeitar a diferença funcional de uma criança, com suas peculiaridades, limites e potencial é uma forma simples e eficaz de investir na autoestima dela.

Nós que lidamos profissionalmente com as diferenças funcionais falamos muito a respeito da discriminação e do preconceito fortemente arraigados na sociedade. Denunciamos a exclusão como um comportamento social, como uma falta de atenção política ou governamental... Discriminação, preconceito e exclusão são, sim, problemas de ordem social. Mas, há também outra dimensão desses mesmos problemas. Uma dimensão muito pouco explorada: a dimensão familiar.

Preconceito, discriminação e exclusão podem sim ser muito fortes no âmbito da própria família. Talvez você nunca tenha parado para pensar nisto, mas quando se compara dois irmãos, manifestando a preferência por um deles, isto é, na verdade, uma versão doméstica da discriminação social.

Se vocês, pai e mãe, se preocupam com a vida e o futuro da criança com diferença funcional, evite, ao máximo, plantar a insegurança na cabecinha dela. Nossa casa é a grande escola que nos ensina a lidar com o mundo. Então, ensine ao seu filho que ele é importante, que ele é capaz. Dessa forma, o mundo lá fora jamais poderá convencê-lo de que ele é inferior por ser diferente.

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Descrição do vídeo:
Os pais devem evitar fazer comparações entre os filhos. A criança com diferença funcional deve ser elogiada e valorizada pelo que faz, da forma que faz. Esta é uma forma simples e eficaz de investir na autoestima da criança.
Apresentação: Ray Pereira
Interpretação: Adriana D. Pereira
Ray Pereira é Psicólogo, mestre em Psicologia Social e doutor em Saúde Pública.
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