sexta-feira, 6 de março de 2009

Mitologia e diversidade funcional: O artesão do Olimpo (final)


Na antiga Grécia, a beleza física e a aptidão para a guerra eram características extremamente valorizadas no homem. Os artesãos, muitos deles com diferença funcional, embora dotados de talento artístico e criatividade, eram discriminados por serem considerados inaptos para a guerra. Esse traço cultural lançava no limbo social e nos precipícios espartanos qualquer criança que nascesse com alguma característica física “inadequada” para os costumes vigentes. No Olimpo não era diferente, mesmo porque a poesia e os mitos são inspirados na condição humana.
V
Vejo em Hefestos um elemento transformador. Um agente capaz de influenciar nossa mentalidade sobre as diferenças. Tanto a nossa própria diferença, como a dos demais. Nas lendas gregas, a condição física de Hefestos, em princípio, era motivo de zombaria. Ele próprio é retratado como um homem solitário e rude antes retornar ao Olimpo. Posteriormente, foi considerado um deus por excelência, reverenciado tanto no Olimpo como pelos artesãos humanos que tinham nele uma espécie de patrono.

Hefestos é para mim uma fonte de inspiração quando penso em diversidade funcional. Sua condição física, em si, poderia ser melhorada por Zeus se tal milagre fosse exigido como parte da negociação feita para a libertação de Hera. Mas, não eram as pernas tortas e feias que o incomodavam. Hefestos quis apenas voltar ao lugar que era seu por direito... E, como não era bobo, incluiu no acordo a belíssima Afrodite para dar fim a sua solidão.

Creio que alguns Hefestos do nosso tempo, se pudessem escolher entre remover a “deficiência”, ou remover a rejeição, escolheriam remover a rejeição. Creio ainda que a busca insensata por procedimentos milagrosos capazes de eliminar uma diferença funcional, é, na verdade, um desejo inconsciente de agradar Hera, ou ser aceito pela poderosa mãe arquetípica que habita o coração de cada Hefestos.

As habilidades de Hefestos também inspiram. Não sei se a tecnologia assistiva já tem um patrono. Se não tem, deveríamos dar a Hefestos tal honraria. Aqui, no mundo real, a primeira cadeira de rodas que se tem notícia é de meados do século XVII. Seu construtor e usuário foi Stephan Farfler, um paraplégico alemão. Antes do alemão, mas no mundo mitológico, quem também construiu uma cadeira de rodas foi Hefestos! Além da cadeira, ele construiu uma equipe de assistentes que invejaria qualquer um de nós. Na descrição de Homero, as servas do nosso patrono eram de ouro, viviam como mulheres, eram dotadas de voz, inteligência e habilidades. Essas criaturas fabulosas se moviam sobre um tripé com rodas... Eram verdadeiros ciborgues!

A data estimada para os textos de Homero é o século VIII a.C. Dois ou três séculos depois, com os textos do poeta já difundidos, temos no contexto grego pessoas com diferença funcional trabalhando em atividades manuais, fabricando artesanalmente artefatos de metal, armas, jóias e outros ornamentos, inclusive móveis, panelas, vasos... Há uma estreita relação entre as habilidades de Hefestos e a atividade desses artesãos da Grécia Antiga.

Talvez um mitólogo não concordasse com minha percepção de Hefestos. Minha fala e textos são iluminados pela vivência com a diversidade funcional. Daí minha facilidade em vislumbrar no artesão grego um dos nossos muitos pares perdidos na literatura e nos mitos (falarei de outros personagens nos próximos posts).

De Hefestos, vale a pena registrar o seguinte: sua diferença funcional não congelou sua história. Muito pelo contrário. Ele encarou suas limitações com criatividade e emprestou sua arte, seus talentos e suas habilidades para todo o Olimpo inteiro. Apesar da rejeição na infância, algum afeto Tétis conseguiu plantar naquele coração rude: por amor à humanidade, ele cedeu de suas forjas o fogo – que é transcendência, inteligência, intuição – que humanizou os homens.

O mito mais conhecido sobre o fogo que nos transformou é o de Prometeu, que roubou o fogo (de Hefestos) para dá-lo aos homens. Cedido por Hefestos, ou roubado por Prometeu, o fogo era domínio de Hefestos. Então, simbolicamente, estamos todos vinculados ao mito de Hefestos, o artesão grego que, como eu e você, faz parte da diversidade funcional.

Teremos mais Mitologia Grega nos próximos textos. Aguardem!

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Palavras-chave: mitologia e deficiência; mitologia grega; Hefestos; diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; Ray Pereira.

Um comentário:

Anônimo disse...

Hefestos grande figura da mitologia ,me identifiquei com ele porque uso a criatividade para melhorar meu mundo e o das pessoas ,"Na antiga Grécia, a beleza física e a aptidão para a guerra eram características extremamente valorizadas no homem " ate hoje é assim ,mas eu estou querendo sim mudar este ângulo de visão porque tenho descoberto pensadores que lutaram e pregaram sobre força e beleza de forma diferente ; A força não provém da capacidade física e sim de uma vontade indomável. Mahatma Gandhi .......Não há beleza perfeita que não contenha algo de estranho nas suas proporções.
Francis Bacon.......A deformidade do corpo não feia uma bela alma, mas a formosura da alma reflecte-se no corpo.
Séneca.........Apesar dos nossos defeitos, precisamos enxergar que somos pérolas únicas no teatro da vida e entender que não existem pessoas de sucesso e pessoas fracassadas. O que existem são pessoas que lutam pelos seus sonhos ou desistem deles.
Augusto Cury ............diversidade funcional se tornou em minha vida , e deve ser para todos um meio de desenvolvimento e não de desanimo ,não podendo caminhar com meus pé ao longe estou caminhando com minha mente e tenho ido mais longe do que se fosse com os pés ,e sei que deixarei rastro .......Descobri como é bom chegar quando se tem paciência. E para se chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer....e saber o que quer ....eu sou prova destes pensamentos porque não possuo beleza física mas de alma o que tem me rendido elogios ,não tenho estudo direito ,mas tenho sido considerada inteligente ,não tenho muita força fisica mas tenho levantado a muitos com minhas palavras então cabe a nos usar os dons que possuímos ...Faça o que pode, com o que tem, onde estiver. Roosevelt... Parabéns novamente lindo texto aguardo o proximo texto com ansiedade ,Que Deus te abençoe sempre,RAY um abraço e todos que aqui vier !!...Melasx