domingo, 12 de abril de 2009

Quiron: sábio, curador e diferente

(Descrição: A figura inserida no texto mostra Quiron ensinando harpa ao garoto Aquiles)

Quiron é um centauro. Uma belíssima figura mítica que a mitologia grega nos doou. Pensando em mitologia e diferença, a história de Quiron é bastante ilustrativa para tratarmos da realidade existencial das pessoas com diferença funcional.

Os centauros são seres míticos, metade homem, metade cavalo. Ou seja, Quiron é a diferença encarnada mesmo no contexto da mitologia, farto de personagens fantásticos. No corpo diferente de Quiron habita o eterno conflito entre o homem e o animal, entre o civilizado e o não-civilizado. O personagem é mítico, mas o conflito é absolutamente humano e atual.

O mito de Quiron é riquíssimo para a diversidade funcional. Farei um breve relato sobre a história desse centauro, para compreendermos o seu mito. Se você, como eu, possui uma diferença funcional, certamente perceberá algo de comum no ar.

Quiron era filho de Crono e da ninfa Filira. Temendo ser destronado por um filho, Crono habitualmente devorava seus filhos. Sua esposa, Réia, não aprovava o hábito de Crono e resolveu esconder um filho do marido, evitando que este fosse devorado também. O filho em questão era Zeus. O encontro entre Crono e Filira aconteceu quando ele procurava por Zeus, querendo devorá-lo. Nessa busca, Crono encontra Filira e se encanta com a beleza da ninfa.

Crono deseja ardentemente Filira. Ali começa uma perseguição e Filira, para escapar de Crono, transforma-se numa égua para despistá-lo, mas, não adiantou. Para enganá-la, Crono, por sua vez, se transforma em cavalo, alcança Filira e a possui. Desse encontro nasceu Quiron, o centauro com corpo e pernas de cavalo, torso, braços e cabeça de homem.

Filira fica perturbada ao ver o filho... um “bebê-monstro”, muito diferente do esperado. Quiron foi rejeitado pela mãe e nunca conheceu o pai... Daqui em diante a história desse centauro apresenta desdobramentos muito familiares para nós que também somos diferentes. O susto e a atitude de Filira ocorreram porque a diferença assusta, incomoda, perturba.

O pai substituto de Quiron faz qualquer filho abandonado agradecer aos céus o pai e a mãe que não teve. A mãe de Quiron virou paisagem (a bela ninfa foi transformada em árvore) e o filho abandonado teve como pai (nada de pai adotivo, afinal, pai é quem cria!) ninguém menos que o genial Apolo, um dos deuses mais importantes do Olimpo.

Ao assumir Quiron, Apolo torna-se também seu mentor. Dessa forma, Quiron tornou-se um sábio. Era também professor, profeta, músico... Seus poderes de cura eram notáveis e foi ele quem ensinou medicina a Asclépio. Quiron foi mentor de muitos heróis gregos, como o já citado Asclépio, Aquiles, Jazão e Hércules. O centauro mais famoso da mitologia grega sabia tudo sobre artes e perícias que garantiam a sobrevivência, como a caça, a arte da guerra, o domínio do arco, etc. Fora do campo da sobrevivência, Quiron também era notável por seus conhecimentos sobre ritos religiosos, ética, ciências naturais e música.

Além da diferença encarnada, o que mais nos aproxima de Quiron é uma ferida muito peculiar: uma ferida incurável, provocada por um amigo! A ferida em questão foi causada pelo arco de Hércules. Uma flecha envenenada, disparada contra outro centauro, fere acidentalmente a coxa de Quiron, produzindo a ferida incurável. Esse aspecto é o mais relevante do mito de Quiron.

Embora dominasse as artes médicas, Quiron não podia curar a própria ferida. Essa contingência fez dele um curador. Enquanto tratava e curava os outros, Quiron encontrava alívio para o próprio sofrimento.

O mito de Quiron coloca em relevo a importância de se encarar de frente nossas dores e feridas. Esta é a condição básica para qualquer cura. Enquanto negamos e fugimos, neutralizamos o efeito de qualquer recurso terapêutico, seja médico, psicológico ou mesmo espiritual e transcendente. A negação não abranda a dor. Ao contrário, aguça e intensifica o sofrimento.

Pensando em diferença funcional... quando negamos nossa diferença, estamos bloqueando uma característica que pode, se quisermos, ser transformada em uma virtude. Nós é que damos o tom de tragédia para uma dor ou diferença que, em princípio, é apenas uma dor ou uma diferença. Enquanto sofria, Quiron ensinava, orientava e curava. Ou seja, vivia a vida e seguia em frente, a despeito de uma coxa irremediavelmente ferida.

Além da dimensão existencial, há aqui uma diferença funcional, produzida por uma pata ferida. Quanto à dor e à ferida, elas eram permanentes. Sim, eram permanentes. E nem por isso Quiron deixou de viver e cumprir com excelência seu papel de curador, mentor e sábio.

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Palavras-chave: mitologia e deficiência; mitologia grega; Quiron; diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; Ray Pereira.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ray, vá lá no meu blog que tem um mimo para vc. Meu objetivo é te homenagear e que outras pessoas leiam seus posts.
Um abração