Quando decidi assistir Ensaio sobre a cegueira, pensava encontrar no filme muita inspiração para escrever sobre a cegueira como diferença funcional. Mas, em meio a uma inesperada epidemia de cegueira, o filme trata, de fato, da natureza humana. E que visão da natureza humana!
No que tange à cegueira como diferença funcional, o filme mostra exatamente o que a história da diversidade funcional nos revela. Convenhamos, confinar as pessoas acometidas pela epidemia foi uma medida nada original. Por volta do século IV, medida semelhante foi tomada por um religioso chamado Basílio de Cesaréia. Naqueles tempos, as diferenças funcionais eram tratadas como conseqüência de algum pecado e a eliminação era sumária. Naquele contexto, foi criado por São Basílio o primeiro asilo para cegos. No século V, instalações semelhantes foram criadas em vários lugares e o objetivo era muito semelhante ao que vemos no filme: não sabemos, não podemos e não queremos lidar com “esta” situação. O mesmo princípio vale para a ficção de Saramago adaptada ao filme de Meirelles, e vale também (ainda que de forma velada) para o nosso cotidiano.
No filme, diante de uma diferença funcional (cegueira) conhecida, mas de grandeza epidêmica inusitada, a sociedade reage criando um confinamento, um grande depósito de gente para os “novos cegos”. Uma vez confinado, o grupo precisou se organizar. Nesse processo, vem à tona o que há de pior na natureza humana... A crueldade do confinamento imposto pelos não-cegos fica esmaecida diante da crueldade produzida dentro do confinamento, entre pares, entre iguais...
Durante o filme minha mente voou para as muitas cenas que já vivi, e tantas outras que presenciei ou tomei conhecimento. Impossível não lembrar-se de tantas situações reais! E por serem reais e tão próximas, parecem até mais cruéis do que aquelas apresentadas pelas câmeras de Meirelles:
Impossível não lembrar-se de tantas situações em que uma diferença funcional é tratada como condição inferior, de menor ou nenhuma importância.
Impossível não lembrar-se da covardia e da pequenez humanas... são pessoas que desistem dos próprios sonhos e da vida, optando pelo maldito “plano B”; são pais que desistem dos filhos que nasceram ou tornaram-se diferentes... são filhos que desistem dos pais que envelheceram e também tornaram-se diferentes e inconvenientes.
Impossível não lembrar-se da exploração imoral e desumana produzida onde quer que a diferença se manifeste: exploração sexual, exploração da caridade alheia, exploração da ignorância, exploração da vulnerabilidade, exploração financeira (pasmem, mas a exploração é assunto para um post inteiro!).
Impossível não lembrar-se da intolerância e da incompreensão que nós, sociedade, grupos, famílias, manifestamos em relação às diferenças: diferença funcional, diferença religiosa, étnica e, claro, a diferença na orientação sexual.
Felizmente, também é possível lembrar-se da solidariedade sadia e desinteressada de pessoas que se interessam sim pelo bem-estar do próximo, dos distantes, dos estranhos e até dos inimigos. São pessoas capazes de entregar a própria vida (no caso do filme, o próprio corpo!) para o bem-estar comum.
Finalmente, o que me chamou a atenção de forma dramática foram as vísceras da natureza humana vindo à tona num filme que tem como mote uma diferença funcional. E nesse aspecto, o filme retrata de forma irretocável tanto a natureza humana como a história e o cotidiano da diversidade funcional.
Vimos na tela o esforço desnecessário para separar, hierarquizar ou avaliar as pessoas tomando como medida a sua forma de funcionar. Um grupo de iguais (se é que tal fantasia existe) não sobrevive. Se naquele confinamento todos fossem igualmente cegos, todos teriam morrido. È notável a diversidade do primeiro grupo que foi para o confinamento, mesmo tendo como característica comum o fato de todos estarem cegos. Todos estavam cegos, mas eram todos muito diferentes entre si.
Num filme onde a cegueira está no título, no mote e no enredo, destaca-se a importância não da igualdade, mas da diversidade humana. Enfim, vale a pena ver o filme; você aprenderá um pouquinho sobre cegueira, e muito, muito mesmo sobre gente!
No que tange à cegueira como diferença funcional, o filme mostra exatamente o que a história da diversidade funcional nos revela. Convenhamos, confinar as pessoas acometidas pela epidemia foi uma medida nada original. Por volta do século IV, medida semelhante foi tomada por um religioso chamado Basílio de Cesaréia. Naqueles tempos, as diferenças funcionais eram tratadas como conseqüência de algum pecado e a eliminação era sumária. Naquele contexto, foi criado por São Basílio o primeiro asilo para cegos. No século V, instalações semelhantes foram criadas em vários lugares e o objetivo era muito semelhante ao que vemos no filme: não sabemos, não podemos e não queremos lidar com “esta” situação. O mesmo princípio vale para a ficção de Saramago adaptada ao filme de Meirelles, e vale também (ainda que de forma velada) para o nosso cotidiano.
No filme, diante de uma diferença funcional (cegueira) conhecida, mas de grandeza epidêmica inusitada, a sociedade reage criando um confinamento, um grande depósito de gente para os “novos cegos”. Uma vez confinado, o grupo precisou se organizar. Nesse processo, vem à tona o que há de pior na natureza humana... A crueldade do confinamento imposto pelos não-cegos fica esmaecida diante da crueldade produzida dentro do confinamento, entre pares, entre iguais...
Durante o filme minha mente voou para as muitas cenas que já vivi, e tantas outras que presenciei ou tomei conhecimento. Impossível não lembrar-se de tantas situações reais! E por serem reais e tão próximas, parecem até mais cruéis do que aquelas apresentadas pelas câmeras de Meirelles:
Impossível não lembrar-se de tantas situações em que uma diferença funcional é tratada como condição inferior, de menor ou nenhuma importância.
Impossível não lembrar-se da covardia e da pequenez humanas... são pessoas que desistem dos próprios sonhos e da vida, optando pelo maldito “plano B”; são pais que desistem dos filhos que nasceram ou tornaram-se diferentes... são filhos que desistem dos pais que envelheceram e também tornaram-se diferentes e inconvenientes.
Impossível não lembrar-se da exploração imoral e desumana produzida onde quer que a diferença se manifeste: exploração sexual, exploração da caridade alheia, exploração da ignorância, exploração da vulnerabilidade, exploração financeira (pasmem, mas a exploração é assunto para um post inteiro!).
Impossível não lembrar-se da intolerância e da incompreensão que nós, sociedade, grupos, famílias, manifestamos em relação às diferenças: diferença funcional, diferença religiosa, étnica e, claro, a diferença na orientação sexual.
Felizmente, também é possível lembrar-se da solidariedade sadia e desinteressada de pessoas que se interessam sim pelo bem-estar do próximo, dos distantes, dos estranhos e até dos inimigos. São pessoas capazes de entregar a própria vida (no caso do filme, o próprio corpo!) para o bem-estar comum.
Finalmente, o que me chamou a atenção de forma dramática foram as vísceras da natureza humana vindo à tona num filme que tem como mote uma diferença funcional. E nesse aspecto, o filme retrata de forma irretocável tanto a natureza humana como a história e o cotidiano da diversidade funcional.
Vimos na tela o esforço desnecessário para separar, hierarquizar ou avaliar as pessoas tomando como medida a sua forma de funcionar. Um grupo de iguais (se é que tal fantasia existe) não sobrevive. Se naquele confinamento todos fossem igualmente cegos, todos teriam morrido. È notável a diversidade do primeiro grupo que foi para o confinamento, mesmo tendo como característica comum o fato de todos estarem cegos. Todos estavam cegos, mas eram todos muito diferentes entre si.
Num filme onde a cegueira está no título, no mote e no enredo, destaca-se a importância não da igualdade, mas da diversidade humana. Enfim, vale a pena ver o filme; você aprenderá um pouquinho sobre cegueira, e muito, muito mesmo sobre gente!
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Uma dica: Se você tem um perfil no Orkut, entre para comunidade Diversidade Funcional. Click no link abaixo e junte-se a nós! http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=75291029
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Palavras-chave: diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; deficiência visual; cegos.
Palavras-chave: diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; deficiência visual; cegos.
6 comentários:
Muito bom o texto.
Li seu texto "A Natureza Humana a Olhos Vistos", bárbaro!!! Muito boa a sua abordagem mostrando a intenção do autor por traz da simples difereça funcional. E pensar que houve manifestações aqui e no exterior contra o lançamento do filme, por considerá-lo preconceituoso contra pessoas cegas...
Nossa, Ray, que texto belo, sensível, profundo. Li o livro e sofri tanto que não tive coragem de ir ao cinema. Mas seu texto é mais que um convite, quase intima.
O filme me sensibilizou muito, mas a aplicação feita nesse post é simplesmente maravilhosa! Sua percepção do filme é muito profunda e vc consegui aplicar com muito tato e poesia. Parabéns!
Gostei do texto, Ray. Um exame equilibrado do assunto. Não vi o filme. Estive com ele na mão, mas na hora estava querendo algo diferente. Certamente assistirei. Vi o making of, o qual mostra a transformação da percepção dos extras e dos atores depois que se e envolvem num "laboratório" sobre a idéia da cegueira. A Alice Braga ficou bem transtornada com a experiência...
Conheci seu blog hoje. É muito interessante a sua visão sobre as diferenças. Aos poucos vou lendo cada post, mas desde já, percebo que mudar a maneira de falar, enxergar e mostrar aos demais que a deficiência física nada mais é que uma diferença funcional já colaboraria para maior familiaridade com o assunto e até mesmo menos preconceito de pessoas totalmente desinformadas.
Um abraço
Adriana
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