Num dos e-mails que recebi falando sobre o último post, havia uma curiosa provocação. Daniel, leitor assíduo desse blog, reportou ao parágrafo onde falei da “exploração imoral e desumana produzida onde quer que a diferença se manifeste” e destacou a frase entre parênteses: “pasmem, mas a exploração é assunto para um post inteiro!”. Ele termina o e-mail sugerindo que eu voltasse ao tema “exploração”
As formas de exploração da diferença funcional e as áreas da vida onde elas acontecem não são poucas. Os agentes da exploração que assola a diversidade funcional, é claro, pode ser qualquer um, inclusive “um dos nossos”: há a exploração feita pelos supostamente não-diferentes e a exploração feita entre e pelos próprios indivíduos que apresentam uma determinada diferença funcional (esta última foi amplamente mostrada no filme Ensaio sobre a cegueira). Não há como escolher uma delas e dizer “esta é a pior”, já que ambas desrespeitam, degradam e humilham as pessoas tomadas como objeto da exploração.
Se considerarmos o ponto de vista de quem é explorado, creio que não faz diferença pensar na forma de exploração, já que todas são igualmente humilhantes. Então, sem hierarquizar, vou retomar aqui uma ou duas formas de exploração dentre as indicadas no post passado (exploração sexual, exploração da caridade alheia, exploração da ignorância, exploração da vulnerabilidade, exploração financeira) e, se for necessário, retomo algum ponto ou idéia posteriormente.
O abuso sexual é um tipo de violência muito comum. Curiosamente, e para acentuar ainda mais o asco causado por esta forma de exploração, há casos, e não são poucos, onde o abuso sexual acontece no seio da própria família. Meninas e meninos com diferença funcional, especialmente a diferença funcional intelectual, são vulneráveis, desprotegidos e, portanto, ainda mais sujeitos a esta forma de exploração. Destaquei meninas e meninos com diferença funcional intelectual, mas, de fato, mesmo os adultos, em geral, e mulheres, em particular, estão sujeitos a esta forma de exploração.
O abuso sexual é uma forma infame e criminosa de se ter acesso ao corpo e à intimidade de uma pessoa sem o consentimento dela. Os instrumentos, em regra, são o poder e a força, a truculência e a dominação, daí a covarde preferência dos agressores e agressoras por pessoas que não podem se defender, seja no aspecto físico, seja no psicológico. Tais características, com raras exceções, estão presentes na diferença funcional intelectual.
Na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, proposta pela ONU e já ratificada por dezenas de países (no Brasil a ratificação ainda tramita no Congresso), há um capítulo que trata da prevenção contra a exploração, a violência e o abuso contra as “pessoas com deficiência” (a ONU ainda não acolheu nossa proposta de substituir os termos propostos neste blog...rss). O texto da Convenção reconhece que a exploração, a violência e o abuso associados à diferença funcional ocorrem tanto dentro como fora do lar, e incluem, obviamente, os aspectos de gênero.
A exploração da caridade alheia é outro ponto lamentável e não menos imoral. Me perdoem a franqueza e a objetividade, especialmente porque há pessoas (não creio que seja a maioria) que não sobreviveriam sem pedir esmolas. Mas, efetivamente, há pessoas com diferença funcional que fazem dessa prática o seu modo de ganhar a vida. Se há uma deformação ou amputação nos braços, lá está o indivíduo, sem camisa, mostrando sua deformação... se há uma amputação, uma lesão, ou qualquer outro “dano físico”, tal característica é exposta para mobilizar a caridade alheia.
Esta prática também é uma herança religiosa antiga e maldita dos tempos quando se confinava pessoas com diferença funcional para serem mantidas por ordens religiosas... eram consideradas espiritualmente devedoras e fisicamente incapazes; e para o bem da alma dos caridosos – e somente por isso! – eram acolhidas e protegidas. Tão protegidas que nem aprenderam a cuidar de si mesmas. Nenhum investimento em educação, nenhuma formação profissional, nenhum estímulo ou atitude que pudesse desenvolver a auto-estima e o amor próprio da pessoa. Com isso elas próprias passaram a se valorizar por baixo, ao preço de míseras moedinhas. Com o tempo, esta prática legitimou-se socialmente e hoje, com alguma esperteza, uma diferença funcional pode ser transformada em “fonte de renda”, em instrumento de exploração da fé alheia... Vale dizer que é que igualmente imoral tirar proveito de qualquer situação valendo-se de uma condição física diferente!
Esta cultura da pobreza associada à diferença funcional impregnou a mentalidade de todos, daí o quadro atual. Na prática, hoje em dia até o governo dá esmolas para a diversidade funcional. Para o senso comum, talvez pareça até mais descabido o que acabo de escrever do que um indivíduo pedindo esmolas e tendo como justificativa o fato de não poder andar, enxergar...
Falando em herança religiosa, voltemos nossa atenção para alguns grupos religiosos que se camuflam entre os evangélicos e pentecostais como se pertencessem à mesma estirpe histórica, teológica e doutrinária. São seitas, igrejas e grupos criados nos últimos 30-40 anos e que vivem da exploração da fé e dos recursos financeiros dos seus fieis. Nós, especialmente cadeirantes, cegos, surdos, somos literalmente caçados com promessas de cura. Eu mesmo já fui abordado várias vezes com panfletos, convites e outras formas de “assédio evangelístico”. Confesso que me sinto insultado, mesmo quando não dizem que o demônio está dentro de mim, por isso estou nessa cadeira de rodas.
Aprendi a respeitar qualquer manifestação religiosa. Mas meu respeito pelo sentimento religioso e pela fé que uma pessoa pode ter no coração é infinitamente maior que o respeito que consigo ter por instituições religiosas declaradamente espúrias e não-idôneas. Há relatos de colegas e amigos que (por razões que não cabem discutir ou questionar) se submeteram a estranhos rituais com vistas a uma possível cura. Como a cura não acontece, recebem pela cara uma humilhante frase-consolo do tipo “você não teve fé”.
O que estes grupos religiosos querem é espetáculo. Um espetáculo que possa abarrotar ainda mais seus cofres e melhorar sua duvidosa reputação. Querem tanto tal espetáculo que há situações comprovadas de curas fraudulentas noticiadas pela mídia. Triste forma de exploração da diversidade funcional.
As formas de exploração da diferença funcional e as áreas da vida onde elas acontecem não são poucas. Os agentes da exploração que assola a diversidade funcional, é claro, pode ser qualquer um, inclusive “um dos nossos”: há a exploração feita pelos supostamente não-diferentes e a exploração feita entre e pelos próprios indivíduos que apresentam uma determinada diferença funcional (esta última foi amplamente mostrada no filme Ensaio sobre a cegueira). Não há como escolher uma delas e dizer “esta é a pior”, já que ambas desrespeitam, degradam e humilham as pessoas tomadas como objeto da exploração.
Se considerarmos o ponto de vista de quem é explorado, creio que não faz diferença pensar na forma de exploração, já que todas são igualmente humilhantes. Então, sem hierarquizar, vou retomar aqui uma ou duas formas de exploração dentre as indicadas no post passado (exploração sexual, exploração da caridade alheia, exploração da ignorância, exploração da vulnerabilidade, exploração financeira) e, se for necessário, retomo algum ponto ou idéia posteriormente.
O abuso sexual é um tipo de violência muito comum. Curiosamente, e para acentuar ainda mais o asco causado por esta forma de exploração, há casos, e não são poucos, onde o abuso sexual acontece no seio da própria família. Meninas e meninos com diferença funcional, especialmente a diferença funcional intelectual, são vulneráveis, desprotegidos e, portanto, ainda mais sujeitos a esta forma de exploração. Destaquei meninas e meninos com diferença funcional intelectual, mas, de fato, mesmo os adultos, em geral, e mulheres, em particular, estão sujeitos a esta forma de exploração.
O abuso sexual é uma forma infame e criminosa de se ter acesso ao corpo e à intimidade de uma pessoa sem o consentimento dela. Os instrumentos, em regra, são o poder e a força, a truculência e a dominação, daí a covarde preferência dos agressores e agressoras por pessoas que não podem se defender, seja no aspecto físico, seja no psicológico. Tais características, com raras exceções, estão presentes na diferença funcional intelectual.
Na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, proposta pela ONU e já ratificada por dezenas de países (no Brasil a ratificação ainda tramita no Congresso), há um capítulo que trata da prevenção contra a exploração, a violência e o abuso contra as “pessoas com deficiência” (a ONU ainda não acolheu nossa proposta de substituir os termos propostos neste blog...rss). O texto da Convenção reconhece que a exploração, a violência e o abuso associados à diferença funcional ocorrem tanto dentro como fora do lar, e incluem, obviamente, os aspectos de gênero.
A exploração da caridade alheia é outro ponto lamentável e não menos imoral. Me perdoem a franqueza e a objetividade, especialmente porque há pessoas (não creio que seja a maioria) que não sobreviveriam sem pedir esmolas. Mas, efetivamente, há pessoas com diferença funcional que fazem dessa prática o seu modo de ganhar a vida. Se há uma deformação ou amputação nos braços, lá está o indivíduo, sem camisa, mostrando sua deformação... se há uma amputação, uma lesão, ou qualquer outro “dano físico”, tal característica é exposta para mobilizar a caridade alheia.
Esta prática também é uma herança religiosa antiga e maldita dos tempos quando se confinava pessoas com diferença funcional para serem mantidas por ordens religiosas... eram consideradas espiritualmente devedoras e fisicamente incapazes; e para o bem da alma dos caridosos – e somente por isso! – eram acolhidas e protegidas. Tão protegidas que nem aprenderam a cuidar de si mesmas. Nenhum investimento em educação, nenhuma formação profissional, nenhum estímulo ou atitude que pudesse desenvolver a auto-estima e o amor próprio da pessoa. Com isso elas próprias passaram a se valorizar por baixo, ao preço de míseras moedinhas. Com o tempo, esta prática legitimou-se socialmente e hoje, com alguma esperteza, uma diferença funcional pode ser transformada em “fonte de renda”, em instrumento de exploração da fé alheia... Vale dizer que é que igualmente imoral tirar proveito de qualquer situação valendo-se de uma condição física diferente!
Esta cultura da pobreza associada à diferença funcional impregnou a mentalidade de todos, daí o quadro atual. Na prática, hoje em dia até o governo dá esmolas para a diversidade funcional. Para o senso comum, talvez pareça até mais descabido o que acabo de escrever do que um indivíduo pedindo esmolas e tendo como justificativa o fato de não poder andar, enxergar...
Falando em herança religiosa, voltemos nossa atenção para alguns grupos religiosos que se camuflam entre os evangélicos e pentecostais como se pertencessem à mesma estirpe histórica, teológica e doutrinária. São seitas, igrejas e grupos criados nos últimos 30-40 anos e que vivem da exploração da fé e dos recursos financeiros dos seus fieis. Nós, especialmente cadeirantes, cegos, surdos, somos literalmente caçados com promessas de cura. Eu mesmo já fui abordado várias vezes com panfletos, convites e outras formas de “assédio evangelístico”. Confesso que me sinto insultado, mesmo quando não dizem que o demônio está dentro de mim, por isso estou nessa cadeira de rodas.
Aprendi a respeitar qualquer manifestação religiosa. Mas meu respeito pelo sentimento religioso e pela fé que uma pessoa pode ter no coração é infinitamente maior que o respeito que consigo ter por instituições religiosas declaradamente espúrias e não-idôneas. Há relatos de colegas e amigos que (por razões que não cabem discutir ou questionar) se submeteram a estranhos rituais com vistas a uma possível cura. Como a cura não acontece, recebem pela cara uma humilhante frase-consolo do tipo “você não teve fé”.
O que estes grupos religiosos querem é espetáculo. Um espetáculo que possa abarrotar ainda mais seus cofres e melhorar sua duvidosa reputação. Querem tanto tal espetáculo que há situações comprovadas de curas fraudulentas noticiadas pela mídia. Triste forma de exploração da diversidade funcional.
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Uma dica: Se você tem um perfil no Orkut, entre para comunidade Diversidade Funcional. Click no link abaixo e junte-se a nós! http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=75291029
Um comentário:
"...Falando em herança religiosa, voltemos nossa atenção para alguns grupos religiosos que se camuflam entre os evangélicos e pentecostais como se pertencessem à mesma estirpe histórica, teológica e doutrinária. São seitas, igrejas e grupos criados nos últimos 30-40 anos e que vivem da exploração da fé e dos recursos financeiros dos seus fieis. Nós, especialmente cadeirantes, cegos, surdos, somos literalmente caçados com promessas de cura. Eu mesmo já fui abordado várias vezes com panfletos, convites e outras formas de “assédio evangelístico”. Confesso que me sinto insultado, mesmo quando não dizem que o demônio está dentro de mim, por isso estou nessa cadeira de rodas"...
-Estas formas de exploração-assédio-evangelisticas-togloditas refletem-se, também, negativamente no trabalho daqueles que sendo sacerdotes legítimos e sérios tem seu trabalho posto em dúvida quando 'cruzam seu caminho' com diversos-funcionais e, assim, são vistos como os tais "desfuncionais-diversos-cretinos".
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