(Descrição: A figura inserida no texto mostra Tirésias de pé, segurando um cajado, ao lado de Ulisses, sentado, com sua espada à mão)
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Tirésias é um personagem bem mais popular que Hefestos e Procrusto, nomes que ilustram os textos anteriores. Como profeta e adivinho, seu nome está vinculado ao Oráculo de Delfos, situado no interior de um templo consagrado a Apolo. Sua presença e sua fala reveladora permeiam vários mitos e atravessam a história de vários personagens míticos.
Tirésias era um ser fascinante, incomum e paradoxal. Era cego. Um cego que enxergava longe e fundo, pois lhe faltava a luz, mas sobrava-lhe sensibilidade e lucidez. Sua percepção da sexualidade também era paradoxal, acumulando vivências tanto masculina como feminina em um corpo de homem, como veremos mais adiante.
Há uma polêmica literária quanto à origem da cegueira de Tirésias. Minha versão preferida é a que trata de uma discussão entre Zeus e Hera, O casal queria saber se o ato sexual seria mais prazeroso para o homem ou para a mulher. E quem foi convocado ao Olimpo para decidir a polêmica? Ninguém menos que Tirésias, a única pessoa com conhecimento de causa sobre as particularidades íntimas de cada sexo. Vejamos, então, a origem do conhecimento e da cegueira de Tirésias:
Conta a lenda que o jovem Tirésias foi orar no monte Citeron. No caminho deparou-se com um casal de serpentes copulando e elas o atacaram. Tirésias então matou a serpente fêmea... e imediatamente se transformou em mulher. Anos mais tarde, indo orar no mesmo monte, Tirésias se depara novamente com um casal de serpentes, e novamente é atacado. Ele então mata o macho e volta a ser homem. Tirésias foi, portanto, um homem que conhecia a natureza e peculiaridades dos dois sexos. Daí sua convocação para resolver a polêmica entre Zeus e Hera.
Tirésias ficou numa posição delicadíssima entre Zeus e Hera. Ele sabia que uma resposta, qualquer que fosse, desagradaria um dos deuses. Hera dizia que o homem tem mais prazer; Zeus dizia que era a mulher. Tirésias então se manifesta: Se dividirmos o prazer em dez partes, a mulher fica com nove, o homem fica com uma parte. Hera entendeu que a resposta de Tirésias privilegiou o homem e a posição de Zeus, pois as nove partes da mulher seriam proporcionadas pelo homem. Num ataque de fúria, Hera o cegou. Zeus, por sua vez, compadeceu-se de Tirésias e o compensou com o dom de conhecer o futuro, fazendo dele um vidente.
Fora do mundo dos mitos, as diferenças funcionais “esbarram” o tempo todo nos objetos do mundo real. Se nós, cadeirantes, com nossa diferença funcional física, somos obstruídos por escadas, ressaltos, portas estreitas e outros obstáculos concretos, para os companheiros com diferença funcional visual o grande obstáculo é a forma, a estrutura criada para ser vista. Apreender a forma, seja pelo toque da bengala, seja pelos olhos do cão guia ou com o toque-tato, eis o desafio da diferença funcional visual: captar a forma e o sentido do concreto sem precisar ver... ou seja, a diferença funcional é exatamente isto: enxergar, apesar de não ver. Tirésias!
No passado, para se deslocar no escuro, para preservar e transmitir tradições tribais orais não se convocava as pessoas que viam apenas com os olhos. Aqueles, cujos olhos funcionavam, eram de fato deficientes para tais tarefas. Na escuridão, era preciso enxergar diferente para encontrar o caminho que só se via na luz... Para preservar a história, era preciso memorizar sem se distrair com as formas iluminadas, captadas pelos olhos “sãos”.
De olhos fechados, sim, de olhos fechados abstraímos, exploramos, sentimos, gozamos, criamos meditamos e falamos com Deus. De olhos fechados, enxergamos. Tirésias!
Mal abrimos os olhos e a retina se sobrepõe aos outros sentidos, cedendo aos apelos de um mundo visual. Mal os olhos se abrem e apenas vemos. Aprendendo com Tirésias, na mitologia, e com Saramago, na literatura, “se pode ver, repara.”
Mas, se é preciso apenas ver, vale a velha bengala, os olhos do cão guia, o braile, o texto acessível, o tato... Não incluo aqui a pele. Em se tratando da diferença funcional visual, a pele é Tirésias!
Nos próximos textos, mais mitologia Grega e Diversidade Funcional. Aguardem!
Para recomendar esse texto clique no envelope abaixo.
* * *
Palavras-chave: mitologia e deficiência; mitologia grega; Tirésias; cegos; cegueira; diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; Ray Pereira.
Tirésias era um ser fascinante, incomum e paradoxal. Era cego. Um cego que enxergava longe e fundo, pois lhe faltava a luz, mas sobrava-lhe sensibilidade e lucidez. Sua percepção da sexualidade também era paradoxal, acumulando vivências tanto masculina como feminina em um corpo de homem, como veremos mais adiante.
Há uma polêmica literária quanto à origem da cegueira de Tirésias. Minha versão preferida é a que trata de uma discussão entre Zeus e Hera, O casal queria saber se o ato sexual seria mais prazeroso para o homem ou para a mulher. E quem foi convocado ao Olimpo para decidir a polêmica? Ninguém menos que Tirésias, a única pessoa com conhecimento de causa sobre as particularidades íntimas de cada sexo. Vejamos, então, a origem do conhecimento e da cegueira de Tirésias:
Conta a lenda que o jovem Tirésias foi orar no monte Citeron. No caminho deparou-se com um casal de serpentes copulando e elas o atacaram. Tirésias então matou a serpente fêmea... e imediatamente se transformou em mulher. Anos mais tarde, indo orar no mesmo monte, Tirésias se depara novamente com um casal de serpentes, e novamente é atacado. Ele então mata o macho e volta a ser homem. Tirésias foi, portanto, um homem que conhecia a natureza e peculiaridades dos dois sexos. Daí sua convocação para resolver a polêmica entre Zeus e Hera.
Tirésias ficou numa posição delicadíssima entre Zeus e Hera. Ele sabia que uma resposta, qualquer que fosse, desagradaria um dos deuses. Hera dizia que o homem tem mais prazer; Zeus dizia que era a mulher. Tirésias então se manifesta: Se dividirmos o prazer em dez partes, a mulher fica com nove, o homem fica com uma parte. Hera entendeu que a resposta de Tirésias privilegiou o homem e a posição de Zeus, pois as nove partes da mulher seriam proporcionadas pelo homem. Num ataque de fúria, Hera o cegou. Zeus, por sua vez, compadeceu-se de Tirésias e o compensou com o dom de conhecer o futuro, fazendo dele um vidente.
Fora do mundo dos mitos, as diferenças funcionais “esbarram” o tempo todo nos objetos do mundo real. Se nós, cadeirantes, com nossa diferença funcional física, somos obstruídos por escadas, ressaltos, portas estreitas e outros obstáculos concretos, para os companheiros com diferença funcional visual o grande obstáculo é a forma, a estrutura criada para ser vista. Apreender a forma, seja pelo toque da bengala, seja pelos olhos do cão guia ou com o toque-tato, eis o desafio da diferença funcional visual: captar a forma e o sentido do concreto sem precisar ver... ou seja, a diferença funcional é exatamente isto: enxergar, apesar de não ver. Tirésias!
No passado, para se deslocar no escuro, para preservar e transmitir tradições tribais orais não se convocava as pessoas que viam apenas com os olhos. Aqueles, cujos olhos funcionavam, eram de fato deficientes para tais tarefas. Na escuridão, era preciso enxergar diferente para encontrar o caminho que só se via na luz... Para preservar a história, era preciso memorizar sem se distrair com as formas iluminadas, captadas pelos olhos “sãos”.
De olhos fechados, sim, de olhos fechados abstraímos, exploramos, sentimos, gozamos, criamos meditamos e falamos com Deus. De olhos fechados, enxergamos. Tirésias!
Mal abrimos os olhos e a retina se sobrepõe aos outros sentidos, cedendo aos apelos de um mundo visual. Mal os olhos se abrem e apenas vemos. Aprendendo com Tirésias, na mitologia, e com Saramago, na literatura, “se pode ver, repara.”
Mas, se é preciso apenas ver, vale a velha bengala, os olhos do cão guia, o braile, o texto acessível, o tato... Não incluo aqui a pele. Em se tratando da diferença funcional visual, a pele é Tirésias!
Nos próximos textos, mais mitologia Grega e Diversidade Funcional. Aguardem!
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Palavras-chave: mitologia e deficiência; mitologia grega; Tirésias; cegos; cegueira; diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; Ray Pereira.
Um comentário:
Aquele homem de Nazaré foi quem melhor enxergou o mundo, pois o fez com os olhos do coração.
Gostei demais do que li e pecebi.
Parabéns!
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