sábado, 17 de abril de 2010

Sexualidade e "Viver a Vida" - parte 4

Luciana e Miguel mal tinham acordado na novela e uma leitora desse blog, cá no mundo real, me enviou um email:

“O casal acertou de primeira, vc viu? Só em novela mesmo... rsssss”...

Sim, é novela. Na vida, nem sempre acertamos de primeira. Aliás, é bastante comum a necessidade de um período de “laboratório”, como costumo dizer. Na novela foi, sim, de primeira. Mas, aqui vai um recadinho para minha leitora, para os curiosos, para os que torcem por alguma Luciana, e também para as próprias Lucianas que estão fora da telinha:

Não importa se é a primeira ou a enésima vez. Os mais belos encontros amorosos da vida real, bem como aquele entre Luciana e Miguel, são belos não pelo aspecto ordinal do encontro, ou pela muita ou pouca experiência das pessoas envolvidas. O que determina tal qualidade é o contexto e a forma como o encontro amoroso acontece. Era a primeira vez, sim, mas havia amor, carinho e entrega sem reservas para o amor. Era a primeira vez, sim, mas havia disponibilidade e cumplicidade para encarar e assumir os riscos. Para tentar de novo, de novo e de novo, caso não conseguissem da primeira vez.

As Lucianas que tentaram e, infelizmente, fracassaram, foram prejudicadas não pela cadeira de rodas, nem pela forma ou desempenho do corpo físico. Em se tratando de sexualidade (e isto vale para todos que ainda respiram!), as cobranças, as expectativas e os falsos moralismos são piores do que qualquer lesão. Nós que apresentamos alguma diferença funcional somos contaminados (ou nos contaminamos) por um veneno ainda mais letal: o preconceito.

Sexo gostoso e gratificante NÃO combina com preconceito, desrespeito, moralismos e regras rabiscadas por terceiros. A propósito, a pior de todas as regras, é aquela vomitada por Ingrid, a mãe de Miguel. Na concepção dela, a condição de cadeirante “matou” a sexualidade de Luciana. Quando vomitou tamanha asneira, ela “fundamentou” sua afirmação dizendo ter consultado vários médicos... Talvez ela nem tenha consultado de fato. Mas, cá fora, há, sim, alguns médicos que alimentam essa “regra”...

Seja na ficção ou no mundo real, sexo gostoso e gratificante, combina com liberdade. Combina com espontaneidade e cumplicidade. Sexo gostoso e gratificante combina com sinceridade de parte a parte. Sexo gostoso e gratificante combina com vida...

Aliás, a vida, antes de se aninhar no útero, percorre as mesmas entranhas por onde brotam os fluidos do amor e do prazer. Talvez seja exatamente por isso que a vida sem amor e sem prazer é árida, triste e amarga.

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Palavras-chave: diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; sexualidade e deficiência; psicoterapia; viver a vida; Ray Pereira.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sexualidade e "Viver a Vida" - parte 3

Luciana e Miguel fizeram amor...

Torci muito para que esse momento chegasse. E gostei muito da forma como tudo aconteceu.

Um encontro amoroso pode ser prejudicado por vários fatores. Considero o principal deles a atual banalização da sexualidade e do ato sexual. A reboque, chegam por essa mesma esteira a sexualidade precoce e o comportamento sexual irresponsável.

Por outro lado, afeto e sexo juntos agregam qualidade a um encontro amoroso. De fato, afeto e sexo são coisas distintas, mas que combinam muito bem. E ambos, afeto e sexo, marcaram presença no encontro amoroso do casal.

Miguel, o namorado de postura irretocável, declarou para Luciana que “nunca fez amor com tanto amor”. Se a declaração do rapaz é tão bela e profunda, o que dizer das sensações descobertas e experimentadas! Miguel desejou amar Luciana e se dispôs a aprender sobre o amor com ela própria. Decidiram explorar como casal os encantos e mistérios daquele corpo diferente... Que belíssima cena aquela em que ele a toma nos braços e a coloca na cama!

Ambos tinham vivência sexual prévia, mas agiram como um casal inexperiente. Ambos reconheceram que tinham que reaprender antes de descobrir. Antes de desfrutar. Ambos compreenderam que precisavam se entregar um para o outro antes mesmo de alcançar qualquer gratificação.

Luciana sentiu medo... não relaxou no início. É sempre mais fácil (ou menos difícil) lidar com nossos medos do que com o preconceito. O medo é um dispositivo natural. O preconceito, por sua vez, é socialmente construído. Muitas pessoas com diferença funcional assimilam idéias e condutas preconceituosas antes mesmo de testá-las. Se Luciana tivesse assimilado qualquer preconceito sobre si, sobre seu corpo e sua sexualidade, certamente teria sido devorada pelo próprio medo.

Mas, a moça encarou seus medos! Seu belo rosto, antes tenso, relaxou ao perceber que seu corpo não estava INdiferente ou morto... Seu belo rosto sorriu alegre ao descobrir que seu corpo é apenas um corpo novo e diferente.

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Palavras-chave: diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; sexualidade e deficiência; psicoterapia; viver a vida; Ray Pereira.

sábado, 10 de abril de 2010

Sexualidade e "Viver a Vida" - parte 2

Ao contrário das suspeitas do senso comum, diferença funcional não é sinônimo de problemas sexuais. A inadaptação sexual de um casal pode ocorrer por inúmeros fatores, inclusive fatores banais! Que o digam os terapeutas e advogados de família... Em se tratando de diferença funcional, é sabido que há casos em que a sexualidade pode ser afetada em maior ou menor grau, mas o golpe mais cruel é dado pela desinformação e pelo preconceito. Os obstáculos reais, quando ocorrem, podem perfeitamente ser contornados com ajuda médica e terapêutica. Se a nossa vida sexual não anda (e isto vale para todos. TODOS mesmo!) certamente há algo de errado com a nossa cabeça, muito mais do que com a nossa genitália, ou nossas pernas.

Quando um de nós se fecha para a vida, especialmente quando a recusa é no campo sexual, estamos reverenciando o preconceito com o nosso silêncio. Não importa o que as pessoas pensam sobre a sua sexualidade. E não importa nem mesmo o que a sua família e a família do seu parceiro ou parceira pensam sobre a sua sexualidade. O que importa é o que você pensa! E se você tem duvidas e medos, é preciso encará-los. É preciso reagir e buscar ajuda!

Conforme temos visto, a Luciana também possui dúvidas, medos, e apesar de tudo ela não se mostra refém das dúvidas e medos. Numa conversa que teve com a mãe do seu namorado ela se mostra segura, disposta a conhecer melhor seu corpo e sua sexualidade. Em outras palavras, ela quer experimentar. Isto mesmo: ex-pe-ri-men-tar! Essa atitude exploratória em relação ao nosso corpo e nossa sexualidade são fundamentais! É exatamente dessa forma que todo mundo entra para a vida sexual adulta: explorando, conhecendo, experimentando...

Não sei se a Luciana (ou o Manoel Carlos) poderá me ouvir, ou ler, mas, mesmo assim vou me dirigir a ela, oferecendo uma dica que considero fundamental:

Luciana, curta e explore seu corpo! Você precisa enriquecer seu vocabulário sensorial olhando e tocando seu corpo, sentindo cada pedacinho de sua pele. Sinta também os toques, as carícias e o contato físico com seu namorado... Tenho certeza que tudo isso pode ser muito agradável. Como você mesma disse à Ingrid, isto é, sim, muito simples! Agora preste atenção num detalhe fundamental: Esqueça, esqueça todos os seus referenciais do passado. Você agora possui um outro corpo. Nem melhor, nem pior. Mas, um corpo diferente. Esqueça, então, seus antigos referenciais e encare seu corpo como se vivesse uma nova puberdade, uma nova adolescência... Descubra-se mulher, garota!... E não deixe que os preconceitos e a tutela de terceiros obstruam sua busca. Seja espontânea e amável com você e por você.

E uma última coisa, Luciana: Não abra mão de ser feliz!


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* * *Palavras-chave: diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; sexualidade e deficiência; psicoterapia; viver a vida; Ray Pereira.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Sexualidade e “Viver a Vida” - parte 1


As novelas são ótimos laboratórios para os profissionais que trabalham com comportamento humano. Não tem sido diferente com o atual folhetim das 20h. Além de entretenimento, a novela Viver a Vida aborda assuntos polêmicos e delicados que fazem parte da vida. O núcleo mais atraente para nós que temos alguma diferença funcional é, obviamente, o da protagonista principal, a talentosa e bela atriz Alinne Moraes, que interpreta a personagem Luciana.

O drama de Luciana traz à tona (de forma romanceada, mas com muita consistência) uma realidade que até então era conhecida apenas pelas famílias, educadores e profissionais que lidam diretamente com as pessoas que apresentam alguma diferença funcional. Fora desses círculos imediatos a realidade é pouquíssimo conhecida porque as famílias, com raríssimas exceções, escondem ou negam tais dramas. As famílias que felizmente fogem a essa triste regra contribuem, de fato, para a formação de pessoas mais bem resolvidas em relação à própria diferença.

Há muito que refletir, discutir e escrever a partir da novela Viver a Vida. Mas, o foco do meu interesse nesse momento são os diálogos sobre a sexualidade da Luciana, e, por extensão, a nossa sexualidade.

Sou cadeirante há 26 anos. Minha experiência vivencial, teórica e profissional me permitem dizer que o preconceito, as dúvidas e os medos que cercam a sexualidade da personagem são muito semelhantes ao que temos, vivemos e enfrentamos no cotidiano. Apesar dos avanços da medicina e da cidadania, apesar da informação livre, diversificada e de fácil acesso para a maioria, ainda temos muitos preconceitos, muitas dúvidas e muitos medos atrelados à sexualidade. Nas últimas décadas o preconceito não diminuiu; ele apenas mudou suas feições. Mas continua aí, entre nós. E, muitas vezes, dentro de nós.

A preocupação com o namoro e a vida sexual da personagem Luciana tem suscitado diálogos muito interessantes. Tanta preocupação, aparentemente bem intencionada, traz à tona os mesmos preconceitos do passado. Ainda lembro com clareza as abordagens invasivas e indelicadas sobre minha sexualidade, sobre meus namoros e casamento. Já fui abordado e invadido inclusive por estranhos... e tudo isso me ensinou muito.

Poucos meses depois do meu acidente eu já percebia que a preocupação que as pessoas demonstravam em relação a minha sexualidade era, de fato, uma preocupação com elas mesmas e com a sexualidade delas. As dúvidas e medos também eram, muitas vezes, de motivação pessoal. A título de comparação, ninguém se preocupa com o estômago, os rins, a bronquite ou o bem-estar de amigos (e até de estranhos) com a mesma intensidade, “compaixão”, com o mesmo “zelo” e “boas intenções” com que se ocupam da sexualidade alheia. Se fosse apenas cuidado com a saúde e o bem-estar alheios, por que tal “cuidado” só aparece em relação à sexualidade das pessoas com diferença funcional?

Quando o assunto é sexualidade, há dois pressupostos tomados pela sociedade como verdade:

As pessoas consideradas “normais”, aquelas que não apresentam nenhuma diferença funcional aparente, em princípio são perfeitas e seu bom desempenho e ajustamento sexuais estão garantidos;

As pessoas com diferença funcional, qualquer que seja (mas especialmente os cadeirantes), são incapazes de funcionar satisfatoriamente. Não sentem nem despertam desejo e prazer, devendo, por isso, ficar sozinhas. Quando uma dessas pessoas inicia uma relação amorosa é porque encontrou um parceiro ou parceira resignado, que consegue abrir mão de uma vida sexual plena.

Os dois pressupostos são falsos. E de alguma forma a sociedade sabe que são falsos. Vejamos: o primeiro deles é falso e muitas pessoas e casais sabem disso. Sabem, mas não revelam! Sabem porque vivem em suas relações amorosas exatamente o oposto. Vivem vidas amargas, sem liberdade para expressar a afetividade, sem alegria e sem prazer sexual. A título de exemplo podemos pensar nas muitas mulheres (não-cadeirantes) que não alcançam (ou raramente alcançam) o orgasmo... e podemos pensar também no enorme contingente de homens, aparentemente NORMAIS, que não encaram uma transa sem antes tomar um comprimidinho azul para garantir a ereção.

O segundo pressuposto também é falso. A sexualidade não é um órgão, ou função que se perde. Ela abstrata, subjetiva, psicológica. E o que há de físico na sexualidade é apenas parte de sua manifestação. Chega a ser uma aberração acreditar que uma certa pessoa não possa ter ou despertar desejo, dar e ter prazer. Quando ocorre algo no corpo capaz de interferir nas funções sexuais (isto pode ocorrer com qualquer pessoa!), há que se procurar ajuda e tratar o assunto.

A sexualidade está presente em todas as fases do nosso desenvolvimento, da infância à velhice. Acho pouquíssimo provável que alguém, especialmente na fase adulta e por experiência própria, nunca tenha encontrado os sinais de desejo, fantasia, vontade de se envolver, de dar e receber carinho, de ter alguém ao seu lado para uma troca amorosa. SE tal pessoa existe e SE não encontrou esses sinais, eu diria que é porque não procurou direito.

E uma última provocação: Quem tem problemas sexuais são sempre os outros! Os homens não revelam quando brocham, nem as mulheres revelam que fingem ter orgasmo... Mas muitos homens e mulheres apontam seus dedos preconceituosos para nós, questionando nossa sexualidade.



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Palavras-chave: diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; sexualidade e deficiência; psicoterapia; viver a vida; Ray Pereira.

domingo, 22 de novembro de 2009

Sexualidade e diferença funcional

Sexualidade é um dos aspectos mais instigantes da experiência humana. E, claro, não poderia ser diferente em se tratando de nós, pessoas com diferença funcional. Nossa sexualidade esta cercada de curiosidades e intriga a todos.

Exatamente como acontece com a população em geral, há entre nós pessoas realizadas e pessoas frustradas, pessoas felizes e pessoas infelizes no plano afetivo-sexual. De fato, uma diferença funcional não deve ser tomada como um obstáculo para o amor. Se olharmos com atenção, os obstáculos são produzidos pelo preconceito, pela desinformação, medo e insegurança.

Com raras exceções, as pessoas com diferença funcional sabem que se estamos vivos, há, sim, energia sexual em nosso corpo e em nossa vida. Sabem, mas muitas vezes esse saber é silencioso, solitário, ignorado ou reprimido.

É importante lembrar que o medo e as dúvidas que paralisam a vida sexual e amorosa fazem parte da mesma estrutura psicológica que impede uma pessoa de acreditar em si mesma. A título de comparação, muitas pessoas com diferença funcional não se acham capazes de estudar, trabalhar e viver a vida. E é muito confortável acreditar que as coisas não acontecem apenas por causa da discriminação e da exclusão social. As barreiras sociais realmente estão aí escancaradas! Mas, me preocupam muito mais aquelas barreiras que construímos dentro de nós.

Eu sei que o preconceito e as barreiras sociais também afetam, e muito, a vida sexual e os relacionamentos amorosos. Mas, além e acima disso está a percepção que temos do nosso corpo, da nossa sexualidade e do nosso desejo de construir uma relação amorosa. Já ouvi diversas vezes afirmações do tipo “ninguém vai gostar de mim desse jeito”. E com base nessa crença, a pessoa se fecha tornando-se incapaz até mesmo de perceber quando é paquerada ou olhada com desejo.

A sexualidade humana tem sido massacrada por uma cultura que restringe a vida sexual a um padrão meramente estético e genital. Se dependesse apenas desses dois fatores, as relações amorosas seriam vazias de realização, de cumplicidade, de companheirismo e, especialmente, de afeto. Se você está vivo, independente de qualquer aspecto físico ou funcional, sua energia sexual está aí pulsando no seu corpo e você é, sim, capaz de dar e receber afeto, você é capaz de amar e ser amado(a), inclusive no aspecto estritamente sexual!

Tenho observado em meu trabalho que as dificuldades na vida sexual e nos relacionamentos amorosos dependem de vários fatores. Há casos em que a ajuda médica e psicológica é fundamental para se contornar as questões próprias do organismo. Esta é a parte mais simples, uma vez que a medicina dispõe de recursos eficazes para nos ajudar, quando necessário. De fato, os maiores obstáculos não estão no nosso corpo e muito menos na forma como ele funciona. Os obstáculos mais difíceis estão na nossa cabeça e à nossa volta.

Nossa cabeça cria medos incríveis. Medo da rejeição, medo de correr riscos, medo de sofrer, Medo de errar e até mesmo medo de acertar... Enquanto acalentamos nossos medos, a vida passa e a fila anda.

Há pessoas com diferença funcional que nem cogitam namorar e ter uma vida sexual de qualidade. Surgem aqui duas situações distintas, mas igualmente paralisantes: De um lado, temos os medos e as inseguranças pessoais; do outro, temos as atitudes familiares que infantilizam e superprotegem a pessoa com diferença funcional.

Certa vez uma mãe afirmou para mim que nenhuma mulher no mundo faria pelo filho cadeirante o que ela faz. Eu repliquei dizendo que uma namorada, uma mulher também faria coisas com ele que uma mãe jamais faria. Convenhamos: Mãe é mãe. Mulher é mulher. É óbvio que a regra vale para qualquer pessoa com diferença funcional, seja homem, seja mulher.

A dedicação e o cuidado oferecidos a uma pessoa com diferença funcional suprem necessidades higiênicas, ajuda na mobilidade e atividades da vida diária, etc. Embora as mães estejam na linha de frente dessas tarefas, qualquer pessoa devidamente preparada pode fazer esse trabalho. Mas isso não é tudo na vida de uma pessoa com diferença funcional!

Nós precisamos de realização pessoal e nossa vida precisa ter sentido! A necessidade de realização e sentido pode ser suprida de várias formas. Mas, eu quero destacar especialmente a realização amorosa. Esta realização implica dar e receber afeto, amar e ser amado(a) no sentido erótico do termo.

Se você possui uma diferença funcional e deseja realizar-se no plano afetivo-sexual, vá à luta! Mas faça isso com bom senso e responsabilidade. Se você convive com alguém que possui uma diferença funcional, tente (mas tente mesmo!) respeitar esse desejo...


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Palavras-chave: diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; sexualidade e deficiência; psicoterapia; relações familiares e deficiência; Ray Pereira.

sábado, 21 de novembro de 2009

Orientação aos Pais - parte II


Legendas do vídeo “Orientação aos Pais - parte II”
http://www.youtube.com/watch?v=IzXfPFXjy-I


O nascimento de uma criança é algo realmente marcante na vida dos pais. É um momento de alegria, especialmente se a criança nasce com saúde e “perfeita”. Quando essa expectativa NÃO se concretiza, a alegria se transforma em angústia, medo... Algumas vezes a alegria se transforma em tristeza, frustração e culpa.

A chegada de uma criança com diferença funcional quebra todas as expectativas dos pais. E num tempo muito curto é preciso se acostumar com a idéia e seguir em frente. Os pais olham para a criança e a preocupação com a vida e o futuro é imediata, pois o mundo lá fora não é nada confortável para as pessoas com diferença funcional.

Quando penso nas crianças, minha preocupação inicial não é com o mundo lá fora. Me preocupa muito mais o que a criança encontra dentro da própria casa, junto à família, junto aos pais. Nesse contexto, o que há de mais inadequado e danoso para uma criança com diferença funcional são as comparações. Isto vale para todos os pais, mas vale especialmente para pais de crianças com diferença funcional.

Quando você, pai ou mãe, compara uma criança com a outra, você está dizendo qual delas é a preferida, qual delas você gosta mais. É assim que a criança percebe! Esta atitude é péssima para a autoestima de qualquer criança. Em se tratando de uma criança com diferença funcional, é ainda pior.

Ao invés de comparar, elogie a criança pelo que ela é capaz de fazer. Valorize o que ela faz, da forma que ela faz. A criança certamente responderá fazendo ainda melhor.

Aceitar e respeitar a diferença funcional de uma criança, com suas peculiaridades, limites e potencial é uma forma simples e eficaz de investir na autoestima dela.

Nós que lidamos profissionalmente com as diferenças funcionais falamos muito a respeito da discriminação e do preconceito fortemente arraigados na sociedade. Denunciamos a exclusão como um comportamento social, como uma falta de atenção política ou governamental... Discriminação, preconceito e exclusão são, sim, problemas de ordem social. Mas, há também outra dimensão desses mesmos problemas. Uma dimensão muito pouco explorada: a dimensão familiar.

Preconceito, discriminação e exclusão podem sim ser muito fortes no âmbito da própria família. Talvez você nunca tenha parado para pensar nisto, mas quando se compara dois irmãos, manifestando a preferência por um deles, isto é, na verdade, uma versão doméstica da discriminação social.

Se vocês, pai e mãe, se preocupam com a vida e o futuro da criança com diferença funcional, evite, ao máximo, plantar a insegurança na cabecinha dela. Nossa casa é a grande escola que nos ensina a lidar com o mundo. Então, ensine ao seu filho que ele é importante, que ele é capaz. Dessa forma, o mundo lá fora jamais poderá convencê-lo de que ele é inferior por ser diferente.

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Descrição do vídeo:
Os pais devem evitar fazer comparações entre os filhos. A criança com diferença funcional deve ser elogiada e valorizada pelo que faz, da forma que faz. Esta é uma forma simples e eficaz de investir na autoestima da criança.
Apresentação: Ray Pereira
Interpretação: Adriana D. Pereira
Ray Pereira é Psicólogo, mestre em Psicologia Social e doutor em Saúde Pública.
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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Orientação aos Pais - parte I

Legendas do vídeo “Orientação aos Pais - parte I”

Ter filhos é o maior sonho de muitos casais. É um sonho relativamente fácil de realizar, e quando se pensa no filho que um dia vai chegar, o casal deseja, antes de mais nada, que a criança chegue com saúde e “perfeita”. Se a chegada de uma criança muda a rotina da família, a chegada de uma criança com alguma diferença funcional muda completamente a vida dos pais e da família. O choque inicial é muito natural, afinal vivemos em uma sociedade que infelizmente não sabe conviver com as diferenças. Mas esta realidade precisa mudar. E nós – eu, você, nós todos – somos agentes dessa mudança.

Se você possui uma criança que nasceu diferente do esperado, há muito que aprender com essa experiência... Tenho certeza que grande parte da sua angústia foi produzida por uma imagem negativa acerca das pessoas com diferença funcional. Jogue fora essa imagem negativa; ela não ajuda em nada o seu relacionamento com essa criança. Um olhar negativo torna a realidade mais difícil e mais dura do que ela é de fato.

Percebo o quanto os pais ficam perdidos, sem saber como agir, sem saber o que fazer. E por estarem perdidos, tratam seus pequenos apenas como doentes, ou como uma criança especial. De fato, qualquer criança é especial. Por isso, quando uma criança é tratada como especial apenas por ser diferente, ao invés de atenção ela está recebendo sobre si um estigma.

A infância das crianças com diferença funcional é sufocada por uma rotina de cuidados que são, até certo ponto, necessários. Mas, há também muitos excessos produzidos pela superproteção, medos e pela insegurança dos pais. Há uma variedade de profissionais preparados para promover qualidade de vida e um desenvolvimento saudável para os pequenos, mesmo nos casos mais complexos. Mas o suporte técnico e profissional não é tudo... Aliás, o resultado desse suporte depende muito do apoio emocional e lúdico que a criança precisa ter em casa.

Pode parece óbvio, mas eu preciso dizer: Um criança com diferença funcional precisa ser aceita, acolhida e amada. É fundamental para qualquer criança sentir que é amada, que é aceita, que é importante. Dessa forma, sua criança vai se sentir especial, no sentido mais belo do termo. Ser uma criança especial por ser amada e aceita é bem mais digno do que ser especial apenas por ser diferente.

Uma criança amada se desenvolve melhor. Uma criança amada aprende melhor. Uma criança amada é uma criança feliz!

Além de ser aceita e amada, a criança precisa brincar, a criança precisa ser criança. Uma diferença funcional não deve ser tomada como uma doença, ou como algo que impeça a criança de ser criança. Se seu filho não brinca, o problema pode estar em você, e não nele. Não importa o rótulo que a escola, a medicina ou a sociedade deu para seu filho, ele é uma criança e como criança ele precisa ter infância.

A rotina de uma criança com diferença funcional muitas vezes é pesada e difícil. Se em meio a essa rotina a criança puder ser criança, certamente a vida será divertida e o mundo parecerá menos hostil aos olhinhos dela. Observe sua criança enquanto ela brinca... você se sentirá mais leve ao perceber que há muita vida pulsando naquele corpinho que você acha tão frágil.

Criança que brinca torna-se mais espontânea, mais independente. Criança que brinca tem mais saúde. E como nada no mundo vale mais que um sorriso de criança, uma criança que brinca sorri mais.

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Descrição do vídeo:
A criança com diferença funcional precisa ser aceita e amada. Além do apoio profissional e técnico. O suporte emocional e lúdico deve fazer parte da rotina da criança.
Apresentação: Ray Pereira
Interpretação: Adriana D. Pereira
Ray Pereira é Psicólogo, mestre em Psicologia Social e doutor em Saúde Pública.
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segunda-feira, 11 de maio de 2009

Qual é o seu sonho?


Legendas do vídeo “Qual é o seu sonho?”
http://www.youtube.com/watch?v=KiWJIDSXDHI

Oi! Eu tenho uma pergunta pra você: Qual é o seu sonho?
Se for necessário, acione Legenda Oculta.

Se você possui uma diferença funcional, certamente já te perguntaram “o que aconteceu com você”. Certa vez, respondendo a essa mesma pergunta, quando revelei o que havia acontecido, perguntaram-me se o acidente me impediu de realizar algum sonho, afinal eu tinha apenas 20 anos quando tudo aconteceu. É claro que alguns sonhos ficaram para trás, mas outros resistiram ou foram reinventados. E novos sonhos foram nascendo, já que ninguém perde a capacidade de sonhar.

As diferenças funcionais costumam ser encaradas como fatos que aniquilam todos os nossos sonhos. Para mim, e para muitos outros, essa percepção negativa é falsa. Nossas diferenças funcionais não destroem nossos sonhos, embora um ou outro pareça impossível em função de limitações que extrapolam a nossa vontade, como as características ou limitações do corpo, os obstáculos do meio físico, a exclusão social, ou os limites da própria ciência.

Abolir as limitações do corpo é um sonho acalentado por muitos e, ao que tudo indica, esse sonho há de se realizar, tendo em vista os recentes avanços tecnológicos. O que poderia ser apenas um sonho torna-se um pesadelo para muitos que deixam de viver intensamente a vida para tão somente esperar que o sonho de voltar a ser como antes, de alguma forma, se realize. Há pessoas com diferença funcional que adiam tudo para o futuro acreditando que para se viver, sonhar e realizar, é preciso antes modificar o padrão de funcionamento do próprio corpo. Bem, seja por milagre, seja pelo avanço das ciências, ou pelo que for, onde quer que esteja ancorada nossa esperança, crença ou desejo, a espera pode ser longa e pode até não acontecer da mesma forma para todos.

Depois de mais de duas décadas como cadeirante, aprendi que não é a condição física que paralisa uma pessoa. Aprendi também, e estou convicto, que uma cadeira de rodas não atropela nem destrói nossos sonhos. Reconheço e sei o quanto é difícil superar barreiras físicas, econômicas e sociais. Mas, nenhuma dessas barreiras é tão poderosa quanto as barreiras psicológicas criadas pela própria pessoa. As barreiras internas, estas sim, podem destruir sonhos e paralisar a vida de qualquer pessoa.

Acidentes de carro parecem trazer a morte de carona, por isso sobreviver a um acidente deveria ser entendido como um renascimento. Nós, supostas vítimas, determinamos o sentido desses incidentes. A partir deles, muitos se fecham e vivem presos ao passado, enquanto outros se erguem ávidos por novos sonhos, novos vôos e fazem a vida acontecer.

Partir para novos vôos, traçar novas metas ou sonhar novos sonhos é sempre possível, mesmo para aqueles que um dia se fecharam para a vida. Quando deixamos de acreditar em nossos sonhos, o mais simples deles pode parecer ousado demais, ou mesmo impossível, como se nossa capacidade de realização estivesse aniquilada.

Muitos sonhos se perdem não por serem impossíveis ou absurdos. De fato, sonhar é bem mais simples do que realizar. Construímos nossos sonhos sem o menor trabalho, mas, é muito pouco provável que algum sonho se concretize espontaneamente. É tarefa minha e sua a realização de qualquer sonho. Se o acaso, as circunstâncias ou mesmo a sorte cooperarem, ótimo! Mas, nem sempre é assim.

Alguns incidentes da vida podem apagar um sonho ou outro. Mas, independente das circunstâncias, muitos sonhos se perdem por absoluta falta de confiança, determinação e trabalho. Nossos sonhos podem, sim, se transformar em metas, em projetos, em aspirações e ideais. E o que faz mesmo diferença é exatamente a confiança, o empenho e a determinação em busca de realizações.

Usar uma diferença funcional como justificativa para não sonhar não cola, pois sua plena capacidade de sonhar e realizar está intacta em algum lugar aí dentro de você. A vida quer dar muito mais a você. E ela pergunta todos os dias: Qual é o seu sonho?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Autoestima e diferença funcional

Tenho recebido e-mails e scraps comentando os dois últimos vídeos postados no Youtube. Algumas dessas mensagens eu gostaria de ver publicadas no fórum da comunidade Diversidade Funcional, mas nem sempre isso ocorre. Algumas pessoas preferem fazer contato de forma mais reservada e isto precisa ser respeitado.

Depois de ler os e-mails e scraps achei que seria interessante postar as legendas dos vídeos “Qual é o seu sonho” e “Autoestima e diferença funcional”. Há dois outros vídeos cujo conteúdo foi baseado em textos postados anteriormente no blog (“Vamos jogar “deficiente” no lixo” e “Entre diferenças e diferenças”). Os interessados poderão copiar o texto original.
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Legendas do vídeo "Autoestima e diferença funcional"

http://www.youtube.com/watch?v=911BSHwaQP8

Olá! Nós preparamos para você um vídeo sobre autoestima e diferença funcional.
Se for necessário, acione Legenda Oculta.

Falar sobre nossos sentimentos não é nada fácil. Falar sobre o sentimento que temos acerca de nós mesmos é ainda mais desconfortável. De todos os sentimentos humanos, a autoestima é o que há de mais básico, pois dela depende a qualidade de todos os outros sentimentos.

Autoestima, antes de mais nada, é o valor que eu próprio me dou, é a estima que eu tenho por mim, é a consciência que tenho do meu valor, da minha dignidade.

Uma boa autoestima facilita o desenvolvimento da autoconfiança e fortalece o amor próprio. Esses dois elementos são verdadeiras ferramentas para se enfrentar a vida. O primeiro deles, a autoconfiança, é uma segurança íntima na própria capacidade de pensar, escolher, decidir e agir. O segundo elemento, o amor próprio, é um senso básico de respeito por si mesmo que faz uma pessoa considerar-se importante, especial e capaz de realizar-se como pessoa. Com autoconfiança eu me lanço e acredito em mim. Com amor próprio eu cuido de mim, me valorizo e me respeito.

Nossa autoestima pode ser percebida na forma como encaramos a vida e reagimos às contingências e circunstâncias que nos cercam. Problemas familiares, doenças, crises e frustrações pessoais podem comprometer nossa autoestima se ela não estiver bem estruturada. Mas, se temos uma boa autoestima, não perdemos a noção do nosso valor mesmo quando estamos sufocados pelas circunstâncias da vida.

Com nossa autoestima frágil, em situações adversas podemos nos acomodar, ou agir apenas para evitar que o sofrimento aumente, mantendo assim o desconforto em níveis suportáveis. Por outro lado, com uma autoestima elevada, as ações serão sempre positivas e transformadoras em favor da própria vida e do bem-estar pessoal.

Agora vamos pensar um pouco sobre autoestima e diferença funcional. Quando digo “diferença funcional”, eu me refiro às situações que a sociedade chama de “deficiência”. Poucas situações abalam tanto a vida de uma pessoa quanto uma diferença funcional. Qualquer evento que altere a harmonia do corpo toca diretamente a autoestima. As seqüelas provocadas por acidentes e doenças podem alterar a forma como o corpo funciona. Quebrada a harmonia, a relação com o corpo ficará comprometida.

Quando um evento altera a estrutura e o funcionamento do corpo, isto, sem dúvida, influencia a vida pessoal, afetiva, sexual, familiar, profissional e social. E é claro que a autoestima também fica abalada, afinal, vivemos em uma sociedade que ainda não aprendeu a respeitar e integrar plenamente as pessoas com diferença funcional. Mas, ainda assim, ainda assim é possível desenvolver um sentimento positivo acerca de si, fortalecer a autoestima e reinventar a própria história. Afinal, não podemos controlar os fatos, mas podemos decidir, por nós mesmos, o que fazer com os fatos, com o nosso corpo e com a nossa vida.

A expectativa social acerca da diferença funcional é sempre negativa. Por isso pode parecer impossível ter uma boa autoestima se temos uma diferença funcional. A relação entre baixa autoestima e diferença funcional é tão falsa quanto dizer que todo cadeirante é revoltado.

Conheço bem de perto histórias que comprovam que a autoestima pode ser fortalecida mesmo quando tudo parece perdido. São histórias de pessoas que passaram a se conhecer mais e a amar mais a vida, numa demonstração clara da força do nosso querer. Mas, há também histórias amargas, de pessoas que não conseguem desenvolver um sentimento positivo sobre si, e perdem a vontade de viver.

Quando penso e reflito sobre tudo isso, percebo com muita clareza que para se ter um sentimento positivo de si, para se gostar e ter uma boa autoestima é preciso compreender que o meu valor como pessoa, como ser humano, não pode ser medido a partir da maneira como funciona o meu corpo.

Precisamos compreender que a vida, apesar de tudo e apesar de nós mesmos, é bela, é muito curta, e precisa ser vivida. Quando gostamos de nós do jeito que somos, a vida se torna mais leve, e vivemos melhor.

E a vida continua, mesmo quando um ou outro escolhe ficar para trás.

Eu sou Ray Pereira. Minha intérprete é Adriana D. Pereira.
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domingo, 12 de abril de 2009

Quiron: sábio, curador e diferente

(Descrição: A figura inserida no texto mostra Quiron ensinando harpa ao garoto Aquiles)

Quiron é um centauro. Uma belíssima figura mítica que a mitologia grega nos doou. Pensando em mitologia e diferença, a história de Quiron é bastante ilustrativa para tratarmos da realidade existencial das pessoas com diferença funcional.

Os centauros são seres míticos, metade homem, metade cavalo. Ou seja, Quiron é a diferença encarnada mesmo no contexto da mitologia, farto de personagens fantásticos. No corpo diferente de Quiron habita o eterno conflito entre o homem e o animal, entre o civilizado e o não-civilizado. O personagem é mítico, mas o conflito é absolutamente humano e atual.

O mito de Quiron é riquíssimo para a diversidade funcional. Farei um breve relato sobre a história desse centauro, para compreendermos o seu mito. Se você, como eu, possui uma diferença funcional, certamente perceberá algo de comum no ar.

Quiron era filho de Crono e da ninfa Filira. Temendo ser destronado por um filho, Crono habitualmente devorava seus filhos. Sua esposa, Réia, não aprovava o hábito de Crono e resolveu esconder um filho do marido, evitando que este fosse devorado também. O filho em questão era Zeus. O encontro entre Crono e Filira aconteceu quando ele procurava por Zeus, querendo devorá-lo. Nessa busca, Crono encontra Filira e se encanta com a beleza da ninfa.

Crono deseja ardentemente Filira. Ali começa uma perseguição e Filira, para escapar de Crono, transforma-se numa égua para despistá-lo, mas, não adiantou. Para enganá-la, Crono, por sua vez, se transforma em cavalo, alcança Filira e a possui. Desse encontro nasceu Quiron, o centauro com corpo e pernas de cavalo, torso, braços e cabeça de homem.

Filira fica perturbada ao ver o filho... um “bebê-monstro”, muito diferente do esperado. Quiron foi rejeitado pela mãe e nunca conheceu o pai... Daqui em diante a história desse centauro apresenta desdobramentos muito familiares para nós que também somos diferentes. O susto e a atitude de Filira ocorreram porque a diferença assusta, incomoda, perturba.

O pai substituto de Quiron faz qualquer filho abandonado agradecer aos céus o pai e a mãe que não teve. A mãe de Quiron virou paisagem (a bela ninfa foi transformada em árvore) e o filho abandonado teve como pai (nada de pai adotivo, afinal, pai é quem cria!) ninguém menos que o genial Apolo, um dos deuses mais importantes do Olimpo.

Ao assumir Quiron, Apolo torna-se também seu mentor. Dessa forma, Quiron tornou-se um sábio. Era também professor, profeta, músico... Seus poderes de cura eram notáveis e foi ele quem ensinou medicina a Asclépio. Quiron foi mentor de muitos heróis gregos, como o já citado Asclépio, Aquiles, Jazão e Hércules. O centauro mais famoso da mitologia grega sabia tudo sobre artes e perícias que garantiam a sobrevivência, como a caça, a arte da guerra, o domínio do arco, etc. Fora do campo da sobrevivência, Quiron também era notável por seus conhecimentos sobre ritos religiosos, ética, ciências naturais e música.

Além da diferença encarnada, o que mais nos aproxima de Quiron é uma ferida muito peculiar: uma ferida incurável, provocada por um amigo! A ferida em questão foi causada pelo arco de Hércules. Uma flecha envenenada, disparada contra outro centauro, fere acidentalmente a coxa de Quiron, produzindo a ferida incurável. Esse aspecto é o mais relevante do mito de Quiron.

Embora dominasse as artes médicas, Quiron não podia curar a própria ferida. Essa contingência fez dele um curador. Enquanto tratava e curava os outros, Quiron encontrava alívio para o próprio sofrimento.

O mito de Quiron coloca em relevo a importância de se encarar de frente nossas dores e feridas. Esta é a condição básica para qualquer cura. Enquanto negamos e fugimos, neutralizamos o efeito de qualquer recurso terapêutico, seja médico, psicológico ou mesmo espiritual e transcendente. A negação não abranda a dor. Ao contrário, aguça e intensifica o sofrimento.

Pensando em diferença funcional... quando negamos nossa diferença, estamos bloqueando uma característica que pode, se quisermos, ser transformada em uma virtude. Nós é que damos o tom de tragédia para uma dor ou diferença que, em princípio, é apenas uma dor ou uma diferença. Enquanto sofria, Quiron ensinava, orientava e curava. Ou seja, vivia a vida e seguia em frente, a despeito de uma coxa irremediavelmente ferida.

Além da dimensão existencial, há aqui uma diferença funcional, produzida por uma pata ferida. Quanto à dor e à ferida, elas eram permanentes. Sim, eram permanentes. E nem por isso Quiron deixou de viver e cumprir com excelência seu papel de curador, mentor e sábio.

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Palavras-chave: mitologia e deficiência; mitologia grega; Quiron; diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; Ray Pereira.