Se ao invés de diversidade funcional eu falasse em "deficiência", certamente todos saberiam qual é o tema central do post de abertura desse blog. O embrião desse blog é uma idéia, um conceito para ser mais preciso. Lido com a diferença funcional há pouco mais de duas décadas. Sou cadeirante e esta condição (que transo muito bem!) me rotula com a conhecida expressão entre aspas, logo acima. Muitos termos e expressões já foram usados para se referir ao que todos nos acostumamos a chamar de "deficiência". Ao longo de muitas décadas, homens e mulheres com diferença funcional têm sido chamados de "pessoas com deficiência", "portadores de deficiência", "deficientes" (este último, proposto pela própria ONU, na década de 70)... os termos anteriores aos que acabo de citar eram ainda mais inadequados: "aleijado", "entrevado" (literalmente, aquele que vive nas trevas...) e assim por diante.
Pois bem, neste blog, o termo "deficiência", se aparecer, estará sempre entre aspas. Se você encontrar alguma ocorrência sem as aspas pode me dar uma bronca com B maiúsculo! Será um descuido imperdoável. E prá começar bem, "deficiência" não! diferença funcional, sim! Nos posts futuros você só encontrará diversidade funcional, diferença funcional e correlatos.
A preocupação com os termos para se referir às pessoas com diferença funcional é antiga, mas pouco ou nada bem sucedida em termos práticos. Todos os termos usados até então enfatizam a "falta", a suposta limitação física, tomando como base o tal padrão de normalidade engendrado pela ciência moderna e pela medicina pós-newtoniana. Nosso corpo - assim como o universo - deixou de ser o mesmo depois da física de Newton. Ao tocar o corpo humano, a visão mecanicista do universo exagerou na metáfora: passamos a ser vistos, de fato, como uma máquina. O coração, os rins, os pulmões, braços e pernas encontraram correlatos nos instrumentos, ferramentas e artefatos mecânicos. O coração é um bom exemplo da mecanização do corpo: a antiga "sede dos sentimentos" perdeu seu lirismo, tornando, para todos os efeitos, uma bomba que regula a circulação sangüínea.
O modelo de homem padrão tornou-se um conceito, uma medida com a qual se avalia o desempenho do corpo e das pessoas. O que não cabe nesta medida é descartado, é inadequado, é inferior, é nada. O que ficou conhecido como "deficiência" foi inventado exatamente dessa forma. O funcionamento dos órgãos e partes do corpo precisou ser adjetivado desde então; e a chamada "deficiência", embora gramaticalmente um substantivo, tornou-se, para efeitos práticos, um adjetivo de exclusão... "deficiência" é exatamente isto: ineficiência.
Eu, um cadeirante que me locomovo de forma diferente (o modelo de homem padrão exige que a locomoção seja exclusivamente através da força e funções musculares das pernas. E de pé!), cheguei a essa condição, a esse lugar bem depois da criação de qualquer rótulo. Em 1984, depois de uma viagem, depois de um acidente. Saí de casa como andante e voltei como cadeirante, com uma paraplegia trazida não pelo acidente, mas pela reprovação no teste imposto pelo padrão de normalidade. Depois de uns bons anos "andando diferente" e sendo visto e tratado como uma pessoa fisicamente ineficiente, compreendi muito bem tudo isso. O que chamam de ineficiência física é para mim uma simples e corriqueira diferença funcional
Nos próximos posts vou explicar o que significa, de fato, "deficiência". Espero que juntos joguemos fora os termos obsoletos e desrespeitosos e que a diversidade funcional seja um conceito compreendido e assimilado por todos.
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6 comentários:
Ray, confesso para vc que nunca tinha ouvido esse termo diversidade funcional. Eu como tantos outros só conhecia o termo deficiência, apesar de não interpretá-lo no sentido pejorativo. Realmente diversidade funcional é muito mais adeguado. Aguardarei os próximos posts para saber mais sobre o assunto.
Ray, achei o termo diversidade funcional perfeito!
Passarei adoto-lo lá no IBC(no meu convivio profissional) e claro na vida cotidiana.
Pelo que li na orelha, o livro será de uma grande contribuição para mudança cultural sobre a diversidade funcional.
Já estou ansiosa pelo lançamento
Ray sou Enfermeira e tb odeio o termo "deficiência" ou "portador de deficiência" sempre procurei usar o termo "portador de necessidades especiais" por considear menos "agressivo", confesso que de agora em diante vpu adotar o termo diversidade funcional. Parabéns estou ansiosa para ler os próximos posts. Abraços
OI Ray em uma aula no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS somos uma turma interdisciplinar(Psicologos, Assistente social, Enfermeiros, Pedagogos, Psicanalistas, Educadores entre outros) que a cada semestre realizamos leitura dirigida na area do Envelhecimento e tive o prazer de divulgar o teu livro e todo o teu trabalho na construção da terminologia DIVERSIDADE FUNCIONAL. TAMBÉM DIVULGEI TEUS VIDEOS Abraços
Parabéns p/ post, concordo com você esse termos é o mais ideal, para nos referimos as pessoas com "deficiência" tenho um blog também na web e depois vou criar um post para falar de você um pouco e sobre esse termo: DIFERENÇA FUNCIONAL.
Olá. Sou membro do Foro de Vida Independiente y divertad (FVID) http://www.forovidaindependiente.org/
O termo “diversidad funcional” em espanhol, “diversidade funcional” em galego/português, "functional diversity" em inglês, "diversité fonctionnelle" em francês, ou "diversità funzionale" em italiano, foi criado e proposto em janeiro de 2005 pelo FVID e pretende substituir a outros utilizados cuja semântica se pode considerar pejorativa, tais como "discapacidad", "minusvalía", deficiência... Propõe-se portanto uma mudança para uma terminologia não negativa, não reabilitadora.
O FVID é uma comunidade constituída por pessoas de toda Espanha, e de outros países, que conformamos um foro de reflexão filosófica e de luta pelos direitos das pessoas com diversidade funcional.
Mais informação sobre o termo: http://www.forovidaindependiente.org/node/138
Desculpem o meu português de principiante.
Obrigado pela atenção.
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