Minha diferença funcional é uma paraplegia. Para a medicina e o senso comum (espero que por pouco tempo) sou uma “pessoa com deficiência”, ou, simplesmente, “deficiente”. Para meus pares, especialmente aqueles mais antenados, sou um “cadeirante”. Refiro-me aos antigos termos para tratar de três perspectivas relacionadas à diversidade funcional e, por extensão, três formas de nos percebemos e de nos relacionarmos com o mundo: As três perspectivas são EU, NÓS e TODOS.
Aos 20 anos de idade eu perdi meu rótulo de “normal”. Uma perda difícil para boa parte dos contemporâneos dos meus tempos de juventude. Mas, perdi. E, acreditem, o tal rótulo não me tem feito nenhuma falta. Estou, de fato, convicto de que a normalidade é uma invenção da medicina e da ciência moderna.
Meu jeito irônico de retratar o passado serve para introduzir a primeira perspectiva. Trata-se de um momento inicial, de imaturidade e egoísmo ingênuo quando no centro de tudo está a minha própria dor e o meu luto pela perda da “normalidade”. É uma dor legítima e que precisa mesmo ser vivida e esgotada, caso contrário ficaremos presos no passado. É uma fase em que nosso EU está no centro de tudo, mobilizando preocupações da família, dos amigos e, algumas vezes, até mesmo de estranhos e curiosos. É uma fase em que demonstrações de carinho, compreensão e respeito são muito bem-vindos e necessários. Mas é também uma fase perigosa, pois as garras do paternalismo e da autocomiseração estão afiadíssimas tentando nos devorar.
Em algum momento nosso isolamento e ingenuidade são quebrados. Descobrimos que não estamos sozinhos no mundo com nossa diferença. Descobrimos que há outros como nós, que também são diferentes. Ainda me lembro da primeira pessoa com diferença funcional a se tornar minha amiga. As primeiras identificações e trocas de informação são muito importantes para o nosso desenvolvimento tanto físico como “ideológico”. A importância do contato entre pares extrapolou o cotidiano da diversidade funcional, tornando-se um dos pilares do Movimento de Vida Independente (fica aqui a promessa de escrever sobre Vida Independente num post futuro.).
Saímos, assim, de um exílio solitário nas entranhas do nosso EU e descobrimos o outro. Descobrimos o outro, outros e tantos outros e, juntos, nos tornamos NÓS. NOSsa diferença, antes um fenômeno pessoal, isolado, transformou-se num grande grupo de diferentes e passamos a conviver, a trocar experiências, idéias... Depois de amadurecidos como grupo, como NÓS, passamos a lutar juntos por uma causa que revelou-se comum: os direitos, a não discriminação, a acessibilidade, o emprego, o pleno exercício da cidadania e tantos outros tópicos convergentes.
Mas as coisas mudaram. E mudaram muito!... Não sou mais um EU imaturo e isolado. E, apesar de NOSsas diferenças comuns, NOSso grupo não sobreviverá por muito tempo se não alargamos NOSsa visão e NOSsos horizontes. Se não sairmos do NOSso tão confortável gueto.
Eu e você, com nossas diferenças funcionais, precisamos aprender a olhar além do nosso próprio umbigo. E como grupo, ou gueto, precisamos olhar além dos NOSsos horizontes obsoletos... Em plena Era Espacial, preservar valores grupais obsoletos e reforçar fronteiras ideológicas caducas é um retrocesso medieval... A Era Espacial está ensinando aos humanos que no universo não há fronteiras, nem horizontes. E se o universo é uma gigantesca metáfora da vida que levamos aqui como organismo, é hora de assimilarmos juntos a idéia de que EU sozinho não sou nada, da mesma forma que NÓS também, isolados do mundo, nada somos.
Este é o tempo de TODOS. Chega de transformar nossas diferenças funcionais em antolhos! Precisamos enxergar, literal e metaforicamente, a TODOS. Digo metaforicamente porque no meu TODOS cabe a diferença funcional visual, assim como cabem todas as diferenças. Temos nossas demandas, sonhos, ideais e valores individuais e grupais, mas acima destas instâncias está o mundo, a dimensão maior, o TODOS.
Estamos ensaiando viver nesse novo tempo, o tempo de TODOS. Durante o ensaio aprendemos, aperfeiçoamos. Mas durante o ensaio também é permitido errar. Então, que nossos acertos superem os nossos erros.
Que a minha diferença, a sua e de cada um isoladamente, seja um fator de soma. Jamais de subtração ou divisão. Afinal, eu e você fazemos parte do TODOS.
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Palavras-chave: cidadania; diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; deficiência física.
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