Um dia desses entrei numa grande loja de tênis e saí de lá inspirado. Estava com minha mulher e a idéia era comprar um tênis para ela. Em geral, os vendedores de lojas de shopping centers são muito atenciosos. Alguns são inconvenientes de tão atenciosos. O rapaz que nos atendeu foi atencioso e fiquei grato a ele (ele não sabe disso, creio) pelo quanto me fez refletir sobre nós, pessoas que fazemos parte da diversidade funcional.
“Queremos ver uns tênis”, eu disse. Imediatamente ele apontou para um expositor na parede, com vários modelos, todos tão bonitos quanto caros. O rapaz me olhou nos olhos e afirmou, convicto: “Este modelo é o melhor que temos. As molas são produzidas com uma tecnologia avançada e proporciona muito conforto... Qual é mesmo o seu número?”
Com um toque de bom humor e uma pitada de ironia eu questionei: “Você tem certeza que este é o melhor?” Percebendo minha ironia, ele afirmou que sim, mas sua convicção já não era a mesma. Só então ele percebeu que as molas de alta tecnologia daquele tênis não tinham a menor utilidade para um cadeirante que não sai correndo ou pulando por aí.
Tênis com molas são uma boa metáfora para se pensar a diferença funcional. Pode parecer absurdo, mas aquele rapaz agiu exatamente como age a sociedade, o governo, as escolas... Não, ele não era um vendedor despreparado! Ele realmente me ofereceu um bom produto. Talvez fosse mesmo o melhor. Um modelo bonito, confortável, preferido por muitos usuários de tênis.
Tem sido assim, ao longo de muitas décadas, ao longo de muitos séculos. Os governantes com suas políticas públicas, as escolas com seus programas pedagógicos, a população com sua “generosidade”, o transporte público, os equipamentos urbanos e tantos outros segmentos sociais agem da mesma forma: oferecem para nós aquilo que parece ser bom para a maioria. Padronizam a sociedade com base numa tal norma estatística e com isto acabamos sendo prejudicados e tratados como incapazes e ineficientes (como tenho dito, este é o sentido da expressão “pessoa com deficiência”).
O mesmo episódio do “melhor tênis” serve também para ilustrar os pontos em que os vários segmentos sociais erram no tratamento dispensado à diversidade funcional. Vejamos:
Aquele vendedor não fez a pergunta-chave, não procurou saber para quem era o tênis. Ele foi logo oferecendo o que tinha de melhor, já que a preferência da maioria parece ratificar a qualidade do referido produto. Grande engano! Por ser o melhor para a maioria, não significa que vá atender minha necessidade, meu gosto e meu bolso. Talvez para aquele rapaz, todos os pés são iguais, da mesma forma que para o senso comum todas as diferenças funcionais são iguais.
Estamos cercados de gente competente, gente bem preparada, bem intencionada, mas que, como aquele vendedor, estão generalizando particularidades. O conceito de diversidade funcional, como nenhum outro, contempla demandas específicas exatamente na sua especificidade. Cada um de nós é diferente, mesmo que você, como eu, use uma cadeira de rodas. A cadeira de rodas não nos iguala. Muito pelo contrário! Somos todos diferentes em nossas diferenças e é exatamente por isso que somos apenas semelhantes. Funcionamos, cada um, de forma diferente, mesmo que nossas diferenças sejam semelhantes.
Talvez não haja descaso por parte dos governantes (vamos dar um voto de confiança para os nossos políticos pelo menos para ilustrar meu post de hoje). Falta, na verdade, conhecimento de causa. Ainda não fomos olhados como pessoas, especialmente como pessoas diferentes entre si. Por isso nos impõem com adaptações cosméticas os mesmos meios de transporte, os mesmos programas pedagógicos, as mesmas políticas públicas destinados à população em geral.
Precisamos, todos nós, todos mesmo, reconhecer e respeitar nossas diferenças. Foi-se o tempo em que podíamos terceirizar as responsabilidades e os desmandos que afetavam e afetam as pessoas com diferença funcional. Pensar a diferença é papel de todos. E, para não ser atropelado pela maioria, quando te oferecerem um belo par de tênis, com molas de última geração, reflita bem antes de aceitar. Ele pode até ficar muito bem nos seus pés, mas a escolha terá que ser, de fato, sua! O que dizem ser melhor para a maioria, costuma não ser bom pra ninguém...
“Queremos ver uns tênis”, eu disse. Imediatamente ele apontou para um expositor na parede, com vários modelos, todos tão bonitos quanto caros. O rapaz me olhou nos olhos e afirmou, convicto: “Este modelo é o melhor que temos. As molas são produzidas com uma tecnologia avançada e proporciona muito conforto... Qual é mesmo o seu número?”
Com um toque de bom humor e uma pitada de ironia eu questionei: “Você tem certeza que este é o melhor?” Percebendo minha ironia, ele afirmou que sim, mas sua convicção já não era a mesma. Só então ele percebeu que as molas de alta tecnologia daquele tênis não tinham a menor utilidade para um cadeirante que não sai correndo ou pulando por aí.
Tênis com molas são uma boa metáfora para se pensar a diferença funcional. Pode parecer absurdo, mas aquele rapaz agiu exatamente como age a sociedade, o governo, as escolas... Não, ele não era um vendedor despreparado! Ele realmente me ofereceu um bom produto. Talvez fosse mesmo o melhor. Um modelo bonito, confortável, preferido por muitos usuários de tênis.
Tem sido assim, ao longo de muitas décadas, ao longo de muitos séculos. Os governantes com suas políticas públicas, as escolas com seus programas pedagógicos, a população com sua “generosidade”, o transporte público, os equipamentos urbanos e tantos outros segmentos sociais agem da mesma forma: oferecem para nós aquilo que parece ser bom para a maioria. Padronizam a sociedade com base numa tal norma estatística e com isto acabamos sendo prejudicados e tratados como incapazes e ineficientes (como tenho dito, este é o sentido da expressão “pessoa com deficiência”).
O mesmo episódio do “melhor tênis” serve também para ilustrar os pontos em que os vários segmentos sociais erram no tratamento dispensado à diversidade funcional. Vejamos:
Aquele vendedor não fez a pergunta-chave, não procurou saber para quem era o tênis. Ele foi logo oferecendo o que tinha de melhor, já que a preferência da maioria parece ratificar a qualidade do referido produto. Grande engano! Por ser o melhor para a maioria, não significa que vá atender minha necessidade, meu gosto e meu bolso. Talvez para aquele rapaz, todos os pés são iguais, da mesma forma que para o senso comum todas as diferenças funcionais são iguais.
Estamos cercados de gente competente, gente bem preparada, bem intencionada, mas que, como aquele vendedor, estão generalizando particularidades. O conceito de diversidade funcional, como nenhum outro, contempla demandas específicas exatamente na sua especificidade. Cada um de nós é diferente, mesmo que você, como eu, use uma cadeira de rodas. A cadeira de rodas não nos iguala. Muito pelo contrário! Somos todos diferentes em nossas diferenças e é exatamente por isso que somos apenas semelhantes. Funcionamos, cada um, de forma diferente, mesmo que nossas diferenças sejam semelhantes.
Talvez não haja descaso por parte dos governantes (vamos dar um voto de confiança para os nossos políticos pelo menos para ilustrar meu post de hoje). Falta, na verdade, conhecimento de causa. Ainda não fomos olhados como pessoas, especialmente como pessoas diferentes entre si. Por isso nos impõem com adaptações cosméticas os mesmos meios de transporte, os mesmos programas pedagógicos, as mesmas políticas públicas destinados à população em geral.
Precisamos, todos nós, todos mesmo, reconhecer e respeitar nossas diferenças. Foi-se o tempo em que podíamos terceirizar as responsabilidades e os desmandos que afetavam e afetam as pessoas com diferença funcional. Pensar a diferença é papel de todos. E, para não ser atropelado pela maioria, quando te oferecerem um belo par de tênis, com molas de última geração, reflita bem antes de aceitar. Ele pode até ficar muito bem nos seus pés, mas a escolha terá que ser, de fato, sua! O que dizem ser melhor para a maioria, costuma não ser bom pra ninguém...
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Palavras-chave: diversidade funcional; diferença funcional; pessoas com deficiência; pessoas portadoras de deficiência; pessoas deficientes; deficiência física.
Um comentário:
Amigo RAY,
como já havia comentado na comunidade Diversidade Funcional,esse artigo seu realmente é fenomenal! Não pude deixar de ao lê-lo e fazer um link com vc falando com o vendedor a respeito da "funcinalidade" que esse tênis teria se comprado vc!
Sinceramente, as "tiradas" que vc tem são de excelente "jogo de cintura"! Parabéns!
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